Título: Aperto fiscal é a saída, diz Armínio
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2006, Nacional, p. B4

Para Armínio Fraga, principal sócio da Gávea Investimentos, empresa de gestão de recursos, e ex-presidente do Banco Central (BC), a turbulência nos mercados pode estar sendo potencializada no Brasil por causa da piora dos fundamentos fiscais. "Há dúvidas quanto à convicção do governo de preservar esta situação de superávit dentro da meta", ele disse.

Em entrevista ao Estado, Armínio afirmou que, para ajudar o BC a não desacelerar a queda da Selic, a taxa básica, o governo deveria reagir reforçando a política fiscal. O ideal, para ele, seria que os principais candidatos à Presidência se comprometessem com a contenção do aumento dos gastos públicos.

Armínio Fraga deixou claro, porém, que a causa básica da atual turbulência é externa, e deriva do temor da volta da inflação nas principais economias do mundo. Para ele, a apreensão dos mercados é de que os bancos centrais mais poderosos tenham se atrasado no aperto monetário que estão realizando para conter as pressões inflacionários globais.

Uma providência mais imediata para tranqüilizar os investidores em relação ao Brasil, continuou Armínio, seria o governo deixar claro que a meta de superávit primário de 2006 é de 4,25% do PIB, e não de 4,1%. O secretário do Tesouro, Carlos Kawall, tem dito que o governo pode usar o mecanismo do Projeto Piloto de Investimentos (PPI), pelo qual investimentos especialmente selecionados não são considerados como gastos primários, o que reduziria o superávit efetivo para 4,11% do PIB, considerando-se estas despesas. A seguir, os principais trechos da entrevista com Armínio Fraga.

INFLAÇÃO GLOBAL Lá fora, paira no ar a sensação de que os bancos centrais podem ter se atrasado em relação à inflação. Todos os BCs interpretaram a alta das commodities como choque de oferta, mas na verdade foi um choque de demanda. Não houve interrupção da oferta mundial das commodities. Foi o crescimento pujante da economia global que provocou esta alta dos preços.

Agora, os bancos centrais reagiram. O Banco Central Europeu (BCE) reagiu. O do Japão, idem, e nos Estados Unidos os juros básicos foram de 1% para 5%. Mas continua a existir o medo de que esta reação não tenha sido suficiente. E há o intervalo entre as decisões de política monetária e o seu efeito real na economia, por um lado, e os preços dos ativos, que não estão baratos, do outro. Tudo isso faz com que haja uma enorme incerteza.

EFEITO NO BRASIL O Brasil tem sido o grande favorito dos investidores internacionais que buscam alta rentabilidade, e agora sofre particularmente com a saída deles. O mercado está carregado de investidores que não são necessariamente mão firme. Na primeira sacudida do coqueiro, é normal que o Brasil, que foi o favorito, se comporte mal. Isso provoca um processo de redução da exposição de risco, com os investidores acionando mecanismos de interrupção de perdas. Num processo desse tipo, é difícil prever onde vai se chegar.

PREOCUPAÇÃO FISCAL A luz de pânico não foi acesa, mas, com certeza, o que já era uma preocupação fiscal estrutural, com o crescimento do gasto público, foi acrescido agora de uma preocupação de curto prazo - o cumprimento da meta de superávit primário e a sua manutenção nos próximo anos.

GASTOS PÚBLICOS O governo deveria dizer que está sendo generoso com o aumento do salário mínimo e das aposentadorias este ano, porque acredita que isso é bom, mas que está disposto a tomar medidas drásticas para reverter a tendência de aumento do gasto público. Aliás, seria bom que isso fosse um consenso entre as principais candidaturas. O candidato de oposição (Geraldo Alckmin, do PSDB) já disse que vai atacar o problema.

SUPERÁVIT Para reagir à turbulência, o governo deveria deixar claro que a meta de superávit primário de 2006 é de 4,25% do PIB, e não de 4,1%. Não faz sentido uma mudança dessas no calor da batalha. O governo deveria dizer que foi um mal-entendido, que a meta de 4,25% será cumprida, sem mudança de critério.

POLÍTICA MONETÁRIA O Banco Central (BC) vai avaliar as projeções de inflação neste novo cenário. O BC tinha ampla folga, e agora isso tem de ser reavaliado. Mas, se o governo der uma resposta completa ao problema, olhando o outro instrumento de política macroeconômica que é a política fiscal, é possível que o Banco Central não tenha de desacelerar a queda dos juros. Essa desaceleração, aliás, já está precificada no mercado.