Título: Crise não enterra reforma cambial
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2006, Economia & Negócios, p. B5

A equipe econômica continua discutindo alterações na legislação cambial, apesar da recente alta do dólar. Ontem, o secretário de Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, reuniu-se com Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), para discutir as propostas formuladas pela entidade.

A proposta da Fiesp, já transformada em projeto de lei, é a base da discussão no governo. Para Giannetti, a alta do dólar não tirou a urgência das medidas. "É uma discussão que não tem nada a ver com a taxa de câmbio presente; são medidas de médio e longo prazo", disse.

Segundo ele, o secretário tem "plena consciência" da necessidade de aperfeiçoar a legislação, visão partilhada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Até a semana passada, quando ainda estava na iniciativa privada, Almeida era um crítico dos juros altos e do câmbio desvalorizado.

Perguntado se o secretário seria um aliado de peso para a Fiesp nessa discussão, Giannetti comentou: "Ele é um aliado das idéias racionais, um economista respeitado e sua visão não é exclusivamente monetarista, é mais ampla.

A Fiesp aplaudiu a nomeação de Almeida porque melhora a sintonia da Fazenda com o lado real da economia. Gianetti explicou que a Fiesp, ao apresentar a proposta, não tinha a ilusão de afetar de imediato o câmbio. Medidas em análise, como o alongamento do prazo para empresas converterem em reais os dólares obtidos com exportações ou a possibilidade de manter a divisa estrangeira em contas no exterior, não ajudariam a fazer o câmbio subir, avaliou.

"Não adianta, enquanto o juro estiver alto e permitindo ganhos de arbitragem, o exportador vai preferir trazer o dinheiro e aplicar no mercado financeiro", comentou. Segundo ele, as medidas defendidas pela Fiesp visam a garantir que a flutuação do câmbio funcione.

Hoje, diz ele, o mercado é imperfeito porque o exportador é obrigado a converter dólares em reais, ampliando a oferta, enquanto a demanda por dólares é cheia de restrições.

Giannetti estranhou as declarações do presidente Lula, reafirmando sua opção pelo câmbio flutuante. "Quem está pedindo algo diferente? O que queremos é aperfeiçoar o sistema." Ele acha que Mantega, que se manifestou contra o fim da obrigatoriedade de converter os dólares das exportações (cobertura cambial) e defendeu uma alternativa híbrida, precisa refletir melhor sobre o assunto.

"A cobertura cambial é uma lei de 1932, que só faz sentido para países com déficit em transações correntes e reservas baixas, que não é o nosso caso", defendeu. "O Brasil é um dos poucos países no mundo que ainda mantém esse instrumento."

Para Giannetti, a proposta mais importante é a que permite aos exportadores manter contas em dólar. Com isso, seria possível pagar obrigações no exterior sem a necessidade de converter os dólares em reais e depois novamente em dólares, como é hoje. Nessas conversões, incidem tributos como a CPMF e o IOF, além de taxas, que resultam num custo adicional da ordem de 3% a 4%.

Segundo Giannetti, a proposta sofre oposição do sistema financeiro porque ele ganha com o vaivém dos dólares. A pressão dos bancos, disse ele, encontra respaldo em setores da equipe econômica. Esse problema poderia ser resolvido se o exportador pudesse manter conta em dólares no exterior ou no País.

"Eu defendo que seja autorizada a conta no Brasil porque as pequenas e médias empresas não têm condições de manter contas no exterior", disse. Ele explicou que a conta em dólares no Brasil seria para pagamentos no exterior e só poderia ser aberta por empresas credenciadas no Sisbacen e no Siscomex, mantidos pelo governo federal. "Só entram empresas sérias", disse.

O Banco Central se manifestou contra a conta em dólares no Brasil. Mantega também fez restrições à proposta.