Título: As dificuldades fiscais em 2007
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2006, Economia & Negócios, p. B2

Não será fácil a vida do futuro presidente da República, se ele quiser manter sob controle as despesas correntes da União no próximo ano. Isso porque o ano de 2007 ainda refletirá a explosão de gastos ocorrida este ano, quando o governo federal baterá o recorde histórico em despesas correntes.

As dificuldades do futuro presidente resultam do fato de que o aumento de vários gastos já estão "contratados" ou em fase de contratação. No total, as despesas obrigatórias poderão subir 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em comparação com 2006, segundo projeções feitas por técnicos oficiais, às quais este colunista teve acesso.

Somente as despesas da Previdência Social deverão subir 0,3% do PIB no próximo ano. Parte desse incremento ainda decorre do reajuste de 16,6% do salário mínimo, concedido este ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O valor de R$ 350 para o mínimo começou a ser pago somente a partir de primeiro de abril. Assim, o reajuste de 16,6% só repercutirá na despesa da Previdência Social em oito meses deste ano. O impacto "cheio", ou seja, a repercussão dos 16,6% nas contas previdenciárias durante todo o ano só ocorrerá em 2007.

Além disso, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2007, que deverá ser votado pelo Congresso nos próximos dias, prevê um novo reajuste real para o mínimo equivalente ao crescimento real do PIB per capita neste ano, além do aumento pela inflação de abril deste ano a março de 2007, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

O cálculo atuarial do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), feito pelo Ministério da Previdência Social e que consta do projeto da LDO, projeta um aumento nominal de 7,9% para o salário mínimo, em abril do próximo ano.

Outra fonte de grande preocupação da área econômica é a enxurrada de aumentos salariais. Por meio de medidas provisórias, o presidente Lula já concedeu reajuste e reestruturou carreiras de várias categorias de funcionários públicos. Outras MPs deverão sair até o final deste mês.

O Ministério do Planejamento estimou o custo desses aumentos salariais em R$ 3,5 bilhões este ano, mas não informou qual será o impacto "cheio" dos reajustes e reestruturações de carreiras na folha de pagamentos da União em 2007.

Além disso, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei que reestrutura as carreiras dos servidores do Judiciário, com custo anual estimado em R$ 5,2 bilhões. O governo negocia com o Judiciário para que o aumento desses servidores seja escalonado em vários anos. As projeções dos técnicos indicam que o gasto total da União com pagamento de pessoal em 2007 deverá crescer 0,2% do PIB, em comparação com o gasto deste ano.

O reajuste de 16,6% do salário mínimo concedido pelo presidente Lula neste ano e o novo aumento programado para 2007 terão impacto também sobre as despesas do seguro desemprego, abono salarial e da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas).

As mesmas projeções apontam para um aumento de 0,1% das chamadas "outras despesas obrigatórias da União", ou seja, aquelas obrigatórias que excluem os gastos com benefícios previdenciários e com o pagamento de pessoal civil e militar, ativo e inativo.

No total, as despesas já contratadas ou a contratar para 2007 somam 0,6% do PIB, o que torna ainda mais difícil a tarefa do futuro presidente de reduzir os gastos correntes primários em 0,1% do PIB, em comparação com 2006, como manda o projeto da LDO encaminhado ao Congresso em abril último.

É preciso dizer, no entanto, que essa regra da lei orçamentária já foi alterada pelo relator do projeto, senador Romero Jucá (PMDB-AP), que também é o líder do governo no Senado. Em seu parecer, apresentado na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, na última quarta-feira, Jucá criou um artifício contábil que fragiliza a regra de contenção das despesas proposta pela equipe econômica para 2007.

O relator manteve o dispositivo que prevê a redução de 0,1% do PIB, mas excluiu das despesas que serão objeto de contenção os gastos da União com o Fundo Constitucional do Distrito Federal, com os subsídios e subvenções ao setor agrícola, com a aquisição e formação de estoques públicos e com medidas que "assegurem o financiamento da produção e a estabilidade dos preços agrícolas".

Segundo consulta feita por este colunista aos técnicos da área de Orçamento, o relator Jucá excluiu, com a mudança que fez na regra, R$ 10,6 bilhões do montante das despesas que serão objeto de aplicação do redutor de 0,1% do PIB. O PSDB e o PFL já anunciaram que apresentarão emenda ao projeto da LDO para excluir os gastos da União com o ressarcimento aos Estados pelas perdas de arrecadação com a chamada Lei Kandir, que desonerou do ICMS as exportações de produtos primários e semi-elaborados.

Outros parlamentares também tentarão excluir outras despesas, como, por exemplo, as do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que deverá ser criado ainda este ano, ou as despesas com a área da saúde.

Com a mudança na regra, não existe mais, a rigor, limite para as despesas correntes em 2007. A redução de 0,1% do PIB nos gastos em relação aos de 2006, prevista na LDO, poderá ser mais do que compensada por aumentos das despesas que forem excluídas do cálculo. A redução de 0,1% seria, portanto, "coisa para inglês ver", como se dizia antigamente.

Mesmo que a regra seja mantida, ela será aplicada agora sobre um montante menor das despesas correntes. Por isso, ela será ainda mais difícil de ser executada pois o governo terá que reduzir, na verdade, 0,7% do PIB das despesas correntes sujeitas ao corte - ou seja, 0,1% do PIB determinado pela LDO e mais 0,6% do PIB do aumento dos gastos já "contratados" ou a contratar para 2007.

Não é possível fazer um corte dessa proporção nos gastos de custeio e o governo sabe disso. A mudança feita pelo senador Romero Jucá talvez seja apenas o início de um processo de reformulação da regra.