Título: Todos roubam, todos mentem
Autor: Carlos Alberto Sardenberg
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2006, Economia & Negócios, p. B2

A manobra do PSDB e do PFL na Câmara dos Deputados que estendeu a todos os aposentados do INSS o reajuste de 16%, aplicado inicialmente ao salário mínimo, não foi apenas irresponsável. Foi mais um ato de desmoralização da atividade política e da disseminação da tese de que são todos a mesma coisa - ou a mesma porcaria.

Os partidos de oposição repetiram o comportamento do presidente Lula, que defendeu o PT das denúncias de corrupção dizendo que seu partido apenas havia feito o "que sistematicamente se faz na política brasileira". E, pior, a tese pegou entre o eleitorado, como sugerem as recentes pesquisas de opinião.

Candidato em 2002, Lula sustentava que seria possível dobrar o valor real do salário mínimo em quatro anos. Eleito, entendeu que não era bem assim e admitiu o que muitos de seus companheiros ainda não aceitam: que a Previdência é um enorme déficit. Ainda assim, impôs aumentos reais ao mínimo que multiplicaram esse déficit, o qual precisa ser coberto com dinheiro de outras contribuições e impostos. Ou seja, o governo está tirando de algum outro lugar - do Bolsa-Família, por exemplo, ou dos hospitais - para melhorar o mínimo.

Mas o presidente teve o cuidado de limitar o reajuste das demais aposentadorias, neste ano, a 5%, o que basicamente repõe a inflação. Pois na votação da medida provisória na Câmara dos Deputados, lideranças do PSDB e do PFL emplacaram uma manobra que reajusta todas as aposentadorias em 16%. O custo adicional é enorme. Pode chegar a R$ 10 bilhões ao ano - quase o que se gasta com o Bolsa-Família.

A manobra deve vingar também no Senado, já que mesmo senadores da base governista não gostarão de votar "contra" os aposentados em ano eleitoral. E há senadores do PT, como o incansável Paulo Paim, para os quais é possível pagar esse reajuste sem maiores problemas orçamentários.

Tudo considerado, vai ficar para o presidente Lula a decisão de vetar o reajuste, quando a lei, aprovada no Congresso, for à sua sanção. Ele será obrigado a vetar, pois, pela aritmética, não tem dinheiro orçado para isso. E é isso mesmo que esperam as oposições: que Lula negue o reajuste dos velhinhos.

Primeira conclusão: é de araque a defesa dos aposentados assumida por PSDB e PFL. Seus líderes sabem que a medida não passará e só por isso a propuseram. Afinal, foi no governo FHC, do PSDB e do PFL, que se iniciou a tão necessária reforma da Previdência, com aumento do tempo de trabalho e redução do valor das aposentadorias, porque não havia dinheiro para tanto déficit. Esses partidos tiveram o mérito de pôr na pauta política um tema difícil em qualquer país.

Mas, de repente, nada disso vale. Tucanos e pefelistas agora dizem que há dinheiro para reajustes mais generosos, repetindo o que o PT dizia quando estava na oposição. Quer dizer, tucanos e pefelistas sabem que falta dinheiro - como sabiam muitos petistas -, mas dizem o contrário para passar ao governo o ônus de negar.

Para o público mais informado fica uma clara conclusão: todos estão mentindo. Em algum momento, todos mentiram para os eleitores e vão mentir de novo. Caso voltem ao governo, PSDB e PFL não poderão dar aquele reajuste.

É a vala comum em que se jogam os políticos: todos roubam, todos mentem.

E é bem possível que a tática de tucanos e pefelistas não lhes traga vantagens eleitorais nem junto ao povão mal informado. Se é tudo a mesma coisa, então deixa o Lula mesmo, que é como a gente - tal o sentimento provável.

A manobra PFL-PSDB terá sido, assim, além de irresponsável e imoral, uma idéia de jerico.

Auto-suficiência eleitoral

Em maio o Brasil registrou um expressivo déficit de US$ 603 milhões no comércio externo de petróleo e derivados. Com isso o déficit no primeiro quadrimestre subiu para US$ 1,29 bilhão.

O número é quase 30% menor do que o verificado no mesmo período do ano passado. Aumentaram tanto as exportações quanto as importações de petróleo e derivados, mas as vendas subiram mais, o que permitiu a redução do déficit, uma boa notícia, sem dúvida alguma.

Para todo este ano se espera um déficit em torno de US$ 3 bilhões - o que será 30% menor do que o verificado em 2005. Mas, conforme a mesma previsão, ainda haverá déficit em 2007 e parte de 2008.

Ou seja, a forte campanha do governo celebrando a auto-suficiência ou independência nesse setor está, no mínimo, muito adiantada.

É verdade que a balança está equilibrada no que se refere ao volume físico de exportações e importações. Mas isso não significa auto-suficiência.

O País continua precisando importar certos tipos de petróleo (que não há por aqui) e combustíveis (que não refina aqui) - o que significa clara dependência em relação ao mercado internacional, aos seus preços e riscos de abastecimento. Além disso, verifica-se pelas contas que os produtos importados saem mais caros que os exportados.

Mesmo quando houver equilíbrio no comércio externo, no físico e no financeiro, o País continuará importando certos tipos de óleo e derivados. E esse equilíbrio só ocorrerá se o País não crescer muito e se o gás da Bolívia continuar chegando.

De novo, a milionária campanha da auto-suficiência é precipitada. O óleo que molhou as mãos do presidente Lula só é suficiente para as eleições.