Título: Lula quer Venezuela no CS da ONU
Autor: Denise Chrispim Marin, Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2006, Nacional, p. A8

Governo brasileiro evita assumir apoio, devido à rasteira recente de Chávez, mas já informou decisão a estrangeiros

Semanas depois de levar uma humilhante rasteira do presidente Hugo Chávez, no episódio da nacionalização do gás da Bolívia, que deixou seu governo diplomaticamente prostrado e o Brasil diminuído na cena internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara-se agora para apoiar a Venezuela em sua pretensão de preencher uma das duas vagas rotativas a que a América Latina e o Caribe têm direito no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CS). Um dos lugares ficará disponível no fim do ano com a expiração do mandato de dois anos da Argentina.

A aparente dificuldade de explicar a decisão à sociedade brasileira faz com que, até agora, o governo petista mantenha um discurso cauteloso para o público interno. Apesar de o Palácio do Planalto e o Itamaraty admitirem que seria "natural" apoiar a candidatura da Venezuela e de já terem antecipado a decisão a interlocutores estrangeiros, não chegam a cravar o voto do Brasil em declarações formais.

Especialmente próximo a Chávez, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse que "ainda é cedo" para definir o voto brasileiro. Na quarta-feira, no entanto, falando ao Senado, Garcia argumentou que "seria natural" o apoio do Brasil "a um país sul-americano que também é sócio do Mercosul". Diplomatas brasileiros acrescentaram outros fatores ao "natural" suporte à candidatura "bolivariana" - a fronteira comum extensa entre o Brasil e a Venezuela, a aliança na área energética e a sempre presente necessidade de tourear os impulsos do presidente Hugo Chávez, especialmente depois da chifrada que ele deu em seu colega brasileiro no caso da Bolívia.

"É complexo não apoiar a Venezuela, que se aproximou do Mercosul e é um ator relevante na Comunidade Sul-americana de Nações", disse Garcia, referindo-se ao mais alentado projeto de integração do governo. "Mas não queremos dar uma cotação dramática a essa questão."

No último dia 30, em Brasília, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, irritou-se com as insistentes perguntas dos jornalistas sobre a posição brasileira. Escapou de uma resposta objetiva afirmando que ainda há muito tempo para tal definição até outubro, quando a Assembléia Geral da ONU deverá encaminhar ao CS a escolha do novo representante latino-americano. A exemplo de Garcia, ele reconheceu como "fator importante" na decisão sobre o voto brasileiro o ingresso da Venezuela no Mercosul como membro pleno, condição que será ratificada no mês que vem. "Mas por que vocês insistem tanto em (em perguntar sobre) uma cadeira não-permanente do Conselho de Segurança, para a qual o Brasil não está concorrendo?", queixou-se.

Uma razão é que, segundo fontes oficiais brasileiras e americanas , uma semana antes de fazer essas declarações aos jornalistas, o chanceler e outros representantes da administração petista disseram ao secretário de Estado-adjunto para o Hemisfério Ocidental dos EUA, Thomas A. Shannon, que, por causa de seus compromissos no Mercosul, o Brasil apoiará a Venezuela na disputa que ela trava com a Guatemala pela cadeira no CS.

De acordo com dois relatos oficiais da conversa que Shannon teve com o subsecretário-geral de assuntos políticos, Antonio Patriota, o alto funcionário brasileiro disse que o Brasil já explicou oficialmente à Guatemala que não faz objeção à sua eventual ascensão ao CS, mas está impedido de negar seu apoio à Venezuela por seus compromissos no Mercosul.

Shannon, que visitava Brasília para participar de reunião sobre o Haiti, disse a seus interlocutores no governo que a administração americana não acredita ser do interesse do Brasil que o presidente Hugo Chávez se torne a voz da América Latina no CS e continue a ofuscar o presidente Lula, que é visto em Washington com um amigo.

Em qualquer caso, o representante americano indicou que a ascensão da Venezuela não é, definitivamente, do interesse de Washington. E deixou claro que, mesmo respeitando interpretações diferentes que o Itamaraty possa ter quanto aos interesses brasileiros nessa questão, os EUA usarão de sua considerável influência junto aos países do hemisfério para bloquear a pretensão venezuelana. Entre os membros plenos e associados do Mercosul, Caracas tem votos certos apenas da Argentina, do Brasil e da Bolívia. O apoio do Uruguai é tido como provável. Mas Paraguai e Chile são incógnita. A Venezuela não conta, porém, com o respaldo dos demais países, apesar das benesses que concede a alguns deles com seus petrodólares, especialmente no Caribe.