Título: Provando do próprio veneno
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Na votação dos destaques do projeto de conversão da medida provisória que eleva o salário mínimo para R$ 350 a partir de 1º de abril, a oposição, com apoio de parte da base governista, conseguiu aplicar no governo do PT um golpe demagógico como aqueles que insistentemente o PT tentou aplicar no governo de Fernando Henrique. Para evitar pressões maiores sobre as contas públicas, o governo queria limitar a 5% a correção das aposentadorias e pensões do INSS de valor superior a um salário mínimo. Mas o plenário da Câmara dos Deputados estendeu o reajuste de 16,66%, já decidido para aposentadorias no valor de até um salário mínimo, para todos os benefícios.

Quando na oposição, o PT sempre defendeu correções salariais e de benefícios previdenciários por índices bastante superiores aos da inflação. Podia, desse modo, apresentar-se ao eleitorado como grande defensor dos interesses de trabalhadores ativos e inativos. Na eventualidade de propostas irresponsáveis serem aprovadas no Congresso, o ônus político de barrá-las por meio do veto, em nome da responsabilidade na gestão do dinheiro público, cabia ao presidente da República, que os petistas combatiam.

No caso da correção das aposentadorias, caso não consiga derrubar no Senado a medida aprovada pela Câmara, o governo petista será forçado a provar do veneno amargo da demagogia fiscal que tanto o partido utilizou no passado.

Em acordo com as centrais sindicais, o governo havia fixado em 5% a correção das aposentadorias e pensões de valor superior a um salário mínimo a que têm direito 8,3 milhões de beneficiários. Esse índice assegurava um ganho real e seu custo, estimado em R$ 950 milhões de gastos adicionais, tinha cobertura orçamentária.

"Em algum momento esse negócio explode", reagiu o ministro da Previdência, Nelson Machado, ao se referir ao impacto que a correção aprovada pela Câmara terá sobre as contas da Previdência Social, cujo déficit, este ano, o Ministério do Planejamento estima em R$ 43,2 bilhões. A Previdência trabalha com uma previsão de R$ 45,8 bilhões. Não há, ainda, um cálculo preciso sobre os efeitos da correção de 16,66% de todas as aposentadorias. O líder do PT na Câmara, Henrique Fontana, falou em R$ 12 bilhões. Estudos do Ministério do Planejamento apontam para um custo adicional de R$ 7 bilhões. O certo é que não será pouca coisa.

"A oposição está atuando de forma irresponsável", acusa Fontana. Quando estava na oposição, o PT também não agira de "forma irresponsável"? "Nós nunca tínhamos sido governo", justificou-se candidamente o deputado petista, como se responsabilidade em política implicasse necessariamente a passagem pelo governo. Como que fazendo um mea culpa com grande atraso, afirmou que o voto da oposição, que em nada difere daqueles dados pelo PT quando fora do governo, foi "eleitoreiro".

As denúncias de corrupção agravaram, para o governo, um problema político que ele já não conseguia enfrentar de maneira adequada - o da desarticulação de sua base no Congresso. São crescentes as pressões, vindas da base, por mais gastos e mais benefícios tributários. A fragilidade do governo é clara. Já na primeira parte da votação do projeto de conversão, ocorrida no fim de maio, teve dificuldades para derrubar a proposta de um deputado da oposição de elevá-lo para R$ 375. No caso das aposentadorias de valor superior a um salário mínimo, a bancada do PT tentou obstruir a votação. Mas, com apoio de parte da base governista, a oposição aprovou o aumento de 16,66%, que teve 274 votos a favor, 5 contrários e 15 abstenções.

Essa decisão complicou a tramitação da MP 291, que o governo baixou com o objetivo específico de assegurar a correção de 5% dos benefícios previdenciários de valor superior a um salário mínimo.

O governo deve, agora, tentar derrubar no Senado o texto aprovado pela Câmara. Se perder outra vez, terá realmente de arcar com o ônus político, e eleitoral, de vetar uma medida que beneficia os aposentados. E terá de fazer isso porque, além de implicar aumento dos gastos no presente, esse aumento traz um risco adicional: uma vez corrigidas todas as aposentadorias pelo índice de aumento do salário mínimo, os aposentados estarão sempre esperando correção igual daqui para a frente.