Título: De São Paulo para o Brasil
Autor: Célio Wilson de Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2006, Espaço Aberto, p. A2

O Estado mais rico da Federação, com o maior efetivo policial, a melhor estrutura prisional e detentor dos maiores investimentos, vivenciou algo sem precedente na História do Brasil e que serve de alerta para todos - forças policiais, em particular, e sociedade em geral. Nunca uma facção criminosa foi tão ousada, a ponto de deixar perplexos órgãos de segurança e o País como um todo, fazendo parar (literalmente) uma metrópole com mais de 18 milhões de habitantes.

A ousadia foi tamanha que, num primeiro momento, as forças de segurança se voltaram para sua própria proteção, pois eram alvos preferenciais da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), com dezenas de policiais mortos e feridos. Reorganizadas, as forças do Estado iniciaram o contra-ataque e, não poderia ser diferente, inverteram o placar macabro.

A guerra, ainda que não declarada, salta aos olhos do País e esta batalha não terá outro vencedor que não a sociedade. Em meio à tormenta, levantam-se vozes, mais para procurar culpados do que apontar soluções, num jogo de empurra, que se arrasta há anos.

Neste ambiente caótico, figuras ilustres da Nação se apressam em fazer o que deveriam ter feito há muito, ou seja, agilizar uma série de ações pendentes e que ajudariam no combate ao crime organizado. O Senado vota um pacote de leis com eficácia duvidosa. O ministro do Planejamento anuncia que a União aumentou seus gastos com a segurança e o presidente da República diz que não há solução mágica.

No entanto, nenhuma proposta soou mais absurda do que a feita por aquele que é hoje o advogado do governo, ora ocupante do Ministério da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Bastos propôs pôr à disposição de São Paulo a propalada Força Nacional, que sustenta configurar uma "tropa de elite", composta de 4 mil homens altamente treinados, assim como a Polícia Federal e seus órgãos de inteligência, o que o governo de São Paulo não aceitou, e corretamente.

O que a muitos pareceu falta de humildade, irresponsabilidade, não pode ser visto como tal, pois, se aceitasse o apoio da Força Nacional, composta por policiais pagos, treinados e custeados pelos Estados, São Paulo estaria aceitando a sua incompetência. Seus mais de 150 mil policiais estariam aniquilados moralmente, e por ação dos próprios governantes, que lhes dariam um recado direto: vocês não são capazes de vencer a batalha, então, aceitamos o apoio de 4 mil homens que chegarão não sei quando e em que condição, mandados pelo governo federal.

Aliás, a única coisa que o governo fez até hoje na estruturação dessa Força Nacional foi investir milhões em passagens aéreas, diárias e outras despesas de custeio para seus componentes participarem de um treinamento de 15 dias, o que poderia ser feito com, no máximo, 20% do que a Secretaria Nacional de Segurança Pública gastou em sua farra com o dinheiro público, em detrimento dos projetos dos Estados.

Sobre o apoio da Polícia Federal (PF), é certo que sempre existiu, ainda que limitado pelos mesmos problemas enfrentados pelos policiais estaduais: falta de efetivo e estrutura aquém da necessária. Do contrário, admite-se que a PF até então estava alheia ao problema e se reconhece a sua omissão quanto a uma de suas atribuições, já que a organização criminosa do PCC há muito transcendeu os limites territoriais de São Paulo.

A crise do sistema não é exclusividade de São Paulo, ainda que os fatos lá ocorridos a tenham demonstrado numa circunstância extremada, que caracteriza um verdadeiro ataque ao Estado Democrático de Direito. Há tempos o sistema de Justiça Criminal sofre as conseqüências do descaso de anos, com investimento aquém do necessário. As crises revelam-se por um número enorme de rebeliões e fugas, falta de estrutura das polícias, em especial para o combate ao tráfico e uso de entorpecentes, combustível maior da criminalidade, e outros crimes praticados por organizações criminosas.

Os governos estaduais, de modo geral, têm investido na segurança, com resultados significativos, principalmente após a implantação do Fundo Nacional, em 2000. Na contramão, como que cegos, alheios ao problema, apesar do mar de lama em que está envolto o governo federal, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa, permanecem inertes. Ante os contínuos bloqueios dos recursos, escudam-se em projetos mirabolantes, de eficácia duvidosa. Apegados aos cargos por vaidade ou exclusivo interesse pessoal, passarão de ícone da advocacia brasileira e delegado de Polícia Nacional Federal, a advogado do governo do mensalão e pavão da corte petista, posto que um está mais preocupado em apontar solução judiciosa para os problemas do governo federal e dos membros do partido governista e o outro, em viajar pelo País e pelo exterior à cata de medalhas, afagos e outros alimentos para seu vasto ego, sempre à custa do erário.

É bem verdade que o problema da segurança pública não encontra solução apenas com atividade policial, é preciso emprego, distribuição de renda, escola e até mudanças comportamentais. Porém, antes de tudo, deve ser encarado com seriedade. Cada qual assumindo suas obrigações, acabando com o jogo de empurra, priorizando os investimentos no setor. Não adianta contingenciar os fundos penitenciários e de segurança pública na busca de superávit primário, enquanto o PCC privatiza nossos presídios, auferindo lucros com a superlotação e o tráfico de drogas, decidindo quem morre e quem tem privilégios e empregando o que arrecada para financiar ações criminosas do lado de fora, cada vez mais ousadas e violentas, e fazendo escola por todo o Brasil.