Título: Lula diz que a diplomacia é melhor depois dele
Autor: João Bosco Rabello
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2006, Economia & Negócios, p. B11

Presidente explica a seu colega francês que o Brasil passou a ser um país que 'anda de cabeça erguida'

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu do seu colega francês, Jacques Chirac, um apoio tão surpreendente quanto gratuito para a condução pessoal que deu ao conflito com a Bolívia desde o decreto que nacionalizou a exploração das riquezas minerais daquele país. O apoio de Chirac veio logo após o jantar em sua homenagem no Itamaraty, na noite de quarta-feira, quando Lula relatava a jornalistas, numa conversa informal, sua reunião com o presidente da Bolívia, Evo Morales, em Viena, há duas semanas.

Sob o olhar atento de Chirac, com uma tradutora pessoal ao lado, Lula dizia aos jornalistas que resistiu às cobranças por uma posição mais dura, preferindo mostrar a Evo, em conversa reservada, que a Bolívia dependia do Brasil para vender seu gás e isso impunha a conveniência de uma negociação em tons mais realistas. "Não preciso governar com bravatas", disse Lula. "Isso foi de muita sabedoria", atalhou Chirac.

Minutos antes, num breve discurso de improviso em homenagem ao presidente francês, Lula dividiu a política externa brasileira em duas fases - antes de seu governo, que classificou de um Brasil "de cabeça baixa"; e, depois de seu governo, "um Brasil que anda de cabeça erguida". Segundo Lula, o mundo hoje sabe que o Brasil pode pleitear posições no cenário mundial, de igual para igual com qualquer país. Atribuiu isso à orientação pessoal que vem dando à diplomacia e chegou a contar ter aconselhado um jovem diplomata nesse sentido.

Lula disse que herdou de seus pais analfabetos, a consciência de que, pobre ou rico, todos devem ter altivez. "Quando me vi, pela primeira vez, entre os mitos mundiais, me senti pequeno, mas, em seguida, tive a noção de que , como presidente do Brasil, era tão importante quanto todos que ali estavam."

Em resposta, Chirac disse que via com encanto a forma como o presidente Lula governa, "com o coração e a inteligência privilegiada".

Essa posição altiva, Lula garante que orientou o comportamento do governo brasileiro junto à Bolívia. Seu empenho em convencer os jornalistas brasileiros e franceses de que reagiu à altura aos excessos do governo boliviano, levou-o a contar detalhes da conversa que teve com Evo, quando o presidente boliviano baixou o tom de seu discurso "antiimperialista" contra a Petrobrás. "Eu o chamei à realidade, mostrei um mapa da região (América do Sul) e fiz ver que o Brasil é tão dependente da compra do gás da Bolívia, quanto esta depende da venda desse gás para o Brasil." E detalhou: "Disse ao Evo: 'Tira a espada da minha cabeça que eu não ponho minha espada na sua cabeça. Se a Bolívia precisa de um preço justo, o Brasil também quer um preço justo. Vamos negociar'".

Quando um jornalista questionou a passividade inicial do governo brasileiro, que não mencionou a indenização à Petrobrás, pelo governo boliviano, e a intervenção militar na empresa, o presidente respondeu que a indenização é uma questão óbvia.

No contexto, Lula deixou claro que o Brasil não deixará de cobrar seus direitos, mas que optou por contestar Evo em conversas reservadas e evitar o confronto público, que ele chamou de "bravatas". Para Chirac, essa foi a atitude certa.

Em reforço à sua tese de que o mais forte não deve aceitar a provocação do mais fraco, Lula lembrou que o Brasil será autosuficiente em gás até 2009 e que lidera as pesquisas por combustíveis alternativos. Nesse sentido, prometeu que providenciará "uma aula" da Petrobrás para a mídia brasileira e internacional sobre o H-Bio - novo diesel que adiciona óleo vegetal no processo de refino, com o qual a Petrobrás pretende substituir, a partir de 2007, pelo menos 10% do diesel que importa.

Na pérgola do salão de recepções do Itamaraty, um Lula em indisfarçável estado de graça pelos números positivos do governo e da economia, se esforçava para evitar associação entre sua visível euforia e as pesquisas eleitorais, que projetam uma vitória sua no 1º turno.

Ao lado da mesa onde os convidados eram brindados com café, licor e charutos da Bahia, ele era todo empenho para convencer os jornalistas de que não confia em pesquisas. Mas também não tinha mais preocupação em consentir na sua candidatura à reeleição. Provocado para oficializá-la logo após o prazo oficial para o início da campanha, brincou: "Eu prefiro deixar isso para 1º de outubro" , numa alusão à vitória no primeiro turno.