Título: Uma vitória dos sindicatos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Numa decisão que era aguardada há uma década, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente definiu o alcance da figura jurídica da "substituição processual" nos meios trabalhistas. Por meio dela, os trabalhadores que não quiserem bater nas portas da Justiça para defender seus interesses podem assinar procurações autorizando os sindicatos, as federações, as confederações e as centrais sindicais a fazê-lo. Pela decisão da mais alta corte, a partir de agora essas entidades ficam autorizadas a atuar em qualquer tipo de disputa judicial, inclusive nas ações que envolvem direitos individuais e nos processos que já se encontram em fase de liquidação e execução de sentença.

Além de impedir retaliações contra os litigantes por parte dos empregadores, a substituição processual ajuda a reduzir o número de processos em tramitação nas diferentes instâncias do Judiciário. Os expurgos promovidos pelos Planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2 nos índices de correção do saldo do FGTS, por exemplo, motivaram mais de 1 milhão de ações. Se houvesse a possibilidade de utilização da substituição processual, quando as ações foram impetradas pelos trabalhadores, elas cairiam para cerca de 15 mil, que é o número de entidades sindicais existentes, segundo o Ministério do Trabalho.

Outra importante vantagem da substituição processual é a redução do valor dos honorários que os trabalhadores pagam aos advogados trabalhistas, atualmente entre 20% e 30% do total da causa. Como a substituição processual permite a um escritório representar milhares de trabalhadores numa única causa, com o ganho de escala o valor dos honorários pode ser reduzido para 1%, dependendo do número de representados.

Embora seja prevista pela Constituição de 88, e apesar de todas as vantagens que acarreta para os trabalhadores e da contribuição que dá para desafogar o Judiciário, a substituição processual nos meios trabalhistas teve sua utilização suspensa durante dez anos. Pressionado pela equipe econômica responsável pelo Plano Real, que temia o impacto negativo dos processos trabalhistas no combate à inflação, o Tribunal Superior do Trabalho editou em 1993 uma súmula - o Enunciado nº 310 - que restringia quase totalmente a utilização da substituição processual pelos sindicatos.

O receio do governo, na época, era de que ações patrocinadas por sindicatos, federações e confederações em nome de seus filiados, especialmente as relativas a questões salariais, fossem acolhidas pelas varas trabalhistas de primeira instância e pelos Tribunais Regionais do Trabalho. Além das dificuldades e do inevitável custo político de reverter essas decisões no TST, as autoridades econômicas temiam que as sentenças desfavoráveis ao real, prolatadas pelas instâncias inferiores da Justiça do Trabalho, abrissem caminho para a reindexação da economia, comprometendo o programa de estabilização monetária.

Apesar do Enunciado nº 310 ter sido revogado em 1993, o restabelecimento da substituição processual suscitou nos meios trabalhistas e forenses várias dúvidas quanto à sua legalidade e alcance. Para vários ministros do TST, a substituição processual poderia ser usada apenas nos casos de interesses coletivos homogêneos, como reajustes salariais e jornada de trabalho. Para juízes e advogados trabalhistas, os sindicatos também poderiam atuar na defesa dos interesses individuais dos trabalhadores.

Ao esclarecer essas dúvidas , o STF aprovou por unanimidade a constitucionalidade da substituição processual, mas os ministros divergiram quanto às situações em que ela pode ser utilizada e às fases do processo em que os sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais podem assumir a defesa dos trabalhadores. No final, a corte decidiu que as entidades sindicais podem atuar em nome dos trabalhadores em qualquer tipo de litígio.

A decisão é importante, pois amplia significativamente as prerrogativas dos sindicatos. Resta esperar que eles saibam utilizá-las de modo conseqüente e responsável, e não para fazer política à custa dos interesses dos trabalhadores.