Título: Proposta insensata
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2006, Notas e Informações, p. A3

É tortuoso o raciocínio que parece estar por trás da proposta do ministro das Relações Institucionais e coordenador político do governo, Tarso Genro, de fazer mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), para que nela sejam inseridos "patamares aceitáveis" de crescimento e de inflação. Mas o raciocínio enviesado não é o pior dos defeitos da proposta, que o ministro expôs de maneira sucinta à saída de um encontro com o líder do PSDB na Câmara, deputado Jutahy Jr. O que ela tem de grave é o fato de, ao atribuir direta ou indiretamente à LRF efeitos negativos que a lei não tem, abrir caminho para sua mudança mais profunda. Se isso vier a ocorrer, será grande o risco de sobrevir um desastre nas finanças públicas, com efeitos danosos para o bolso do contribuinte e para o crescimento econômico.

A proposta do ministro embute, de maneira equivocada, a idéia de que a responsabilidade fiscal retarda o crescimento e exige metas muito rigorosas para a inflação. A LRF se limita a submeter os administradores de recursos dos contribuintes a regras de seriedade e responsabilidade destinadas a romper com a prática até há pouco corrente no País de os governantes gastarem mais do que podiam, em benefício político ou financeiro próprio, sem que fossem punidos por isso.

Com pouco mais de seis anos de vigência, a LRF é responsável por mudanças notáveis no padrão de gestão financeira do setor público brasileiro. A imposição de limites ao endividamento nos três níveis de governo, de tetos para gastos com pessoal e de regras rigorosas para a administração do dinheiro público forçou a introdução de uma nova mentalidade política no País e se tornou um dos principais fatores de controle do déficit do setor público. Sem o equilíbrio das contas do governo, em todos os níveis, não haverá crescimento sustentado. Daí, ao contrário do que parece supor o coordenador político do governo, a LRF ser essencial para sustentar o crescimento, não para contê-lo.

Um dos principais fatores que freiam o crescimento brasileiro está, de fato, dentro do setor público, mas não em decorrência da aplicação da LRF. O problema é de outra natureza - e seria de grande valia para o País se, desde já, o ministro se debruçasse sobre ele para, com o apoio da oposição, que parece desejar conquistar, enfrentá-lo corajosamente.

O problema mais grave do setor público, e que retarda o crescimento, é a má qualidade da política fiscal, não apenas por causa de gastos obrigatórios que decorrem da legislação em vigor, mas também por escolhas erradas feitas pelo governo. Essa política, que se mantém por vários anos, vem levando ao crescimento contínuo das despesas públicas. Mas os gastos que mais crescem não são aqueles destinados a melhorar e ampliar os serviços que o governo presta, ou deveria prestar, à sociedade. O setor público gasta cada vez mais com as despesas correntes, aquelas destinadas a sustentar sua estrutura, que não pára de crescer e pesa demais sobre o bolso dos contribuintes.

Esse problema tornou-se particularmente grave no governo Lula. Em dez anos, os gastos correntes cresceram à média anual de 5,8%, bem mais do que o crescimento da economia brasileira no período, de cerca de 2,5% por ano. Nos três primeiros anos do governo Lula, o aumento dos gastos correntes foi de 6,23% ao ano, já descontada a inflação.

O crescimento das despesas destinadas a sustentar a máquina estatal tem sido tão rápido que, mesmo com o aumento da carga tributária, continua a faltar dinheiro para os investimentos, que melhorariam os serviços públicos, em particular a infra-estrutura ainda sob responsabilidade do Estado, como a malha rodoviária federal e o sistema portuário. É por retirar cada vez mais dinheiro das empresas e das famílias, reduzindo sua capacidade de investir e consumir, e ainda assim deixar que se deteriore a infra-estrutura que o setor público retarda o crescimento. Não é por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Sem esta, o quadro seguramente seria muito pior.

Mudanças como as sugeridas pelo ministro Tarso Genro funcionariam como uma cunha para alterar de maneira mais profunda a LRF, reduzindo-lhe substancialmente a eficácia. O que o País necessita não é do afrouxamento dessa lei, mas do seu endurecimento.