Título: Um pacote realista
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2006, Notas e Informações, p. A3

O novo pacote anunciado pelo governo poderá dar início à recuperação da agricultura, depois de dois anos de crise para os produtores de grãos e oleaginosas. As medidas incluem o plano de safra 2006-2007, ações de socorro aos endividados e inovações estruturais para fortalecer e dar maior segurança ao setor. Embora avaliado com reservas por líderes da agropecuária, o conjunto é razoável e seria irrealismo pretender muito mais. Seria irrealismo pretender uma solução imediata para todos os problemas, como o dólar barato, as deficiências da infra-estrutura e o preço do diesel.

As novas medidas poderão dar fôlego aos produtores, graças, principalmente, ao reescalonamento das dívidas. Mas será preciso cobrar do governo uma rápida execução das medidas. Algumas, como a liberação de recursos, serão concretizadas no tempo certo, se a administração for competente e ágil. Outras, como a reforma do sistema de resseguros, dependem do Congresso e do empenho político do Executivo.

Embora o pacote estivesse prometido há algumas semanas, foram necessárias duras negociações, até a última hora, entre o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e seus colegas da área financeira.

Há um lado positivo nessa história. O governo resistiu, aparentemente, à tentação de abrir os cofres com maior generosidade, apesar de seu interesse eleitoral. Mas há também um lado preocupante. A maior parte do Executivo continua subestimando a agricultura comercial e tratando-a com preconceito. Demorou, por isso, a reconhecer a gravidade da crise e respondeu de forma lenta e ineficaz, sendo forçado a anunciar novas medidas na quinta-feira.

Os três conjuntos de providências são articulados. O plano de safra envolve R$ 60 bilhões. Esse valor, 12,5% maior que o programado para a safra 2005-2006, inclui R$ 10 bilhões para a chamada agricultura familiar. A maior parte dos preços mínimos foi mantida, o que é razoável neste momento. Os limites do crédito de custeio foram ampliados e os bancos ainda poderão conceder um adicional para quem adotar certas práticas, como planos de recuperação de matas ciliares, sistemas de rastreamento de animais ou seguro rural. A novidade é mais um incentivo à modernização da atividade.

Muitos produtores não teriam condições de tomar novos empréstimos para plantar, se não pudessem renegociar suas dívidas. Desta vez, a renegociação é justificável, em vista da crise dos últimos dois anos. Mas o governo cuidou de restringir esse benefício aos produtores que liquidaram seus compromissos até dezembro de 2004. Pela estimativa oficial, cerca de R$ 10 bilhões serão incluídos no reescalonamento. Além disso, o governo propôs que o FAT empreste até R$ 1 bilhão a fornecedores de insumos, inclusive cooperativas, para que possam refinanciar as dívidas da última safra e bancar o custeio da próxima.

As medidas estruturais dependem tanto do Executivo quanto do Congresso. O Executivo deverá, por exemplo, reformular o sistema de leilões de opção para garantia de preços, de tal forma que as operações comecem antes do plantio. A idéia é dar maior segurança ao produtor desde o início do ano agrícola. Já a reformulação do sistema de seguro rural dependerá da aprovação de leis pelo Congresso.

Também dependerá do Executivo a extensão do sistema de draw-back a todos os produtos agropecuários, beneficiando os exportadores com a isenção dos impostos sobre a importação de insumos. Com mais ousadia, o governo poderia desonerar todas as matérias-primas da agropecuária

Não haveria por que incluir no pacote medidas que interessam a todos os setores, como a recuperação de estradas. Ações como essa dependem da política orçamentária geral.

O pacote, apesar de suas limitações, pode dar novo alento à agropecuária. Mas será preciso vigiar com cuidado sua execução, para que as boas intenções não sejam anuladas pela burocracia e pela má vontade. Será necessário garantir que os beneficiados com a renegociação não sejam privados de novos financiamentos por falta de garantias. Isso poderá inutilizar boa parte do pacote.