Título: As razões do favoritismo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2006, Notas e Informações, p. A3

É mais fácil encontrar um não-petista que ache que o PT é inocente de todos os trambiques cometidos para garantir a sua permanência no Poder do que encontrar um observador isento que ache que Lula será apeado do Poder pelas urnas de outubro. Tamanho é o favoritismo do presidente, atestado por uma pesquisa depois da outra, e tão robustas as condições objetivas que pavimentam o seu caminho para a reeleição que não seria nem necessário, para chegar lá, ele esbanjar a fábula de dinheiro público que está esbanjando numa longuíssima campanha não declarada pelos quatro cantos do País.

Não existem políticos bem-sucedidos - ou pessoas bem-sucedidas em geral - que não tenham sido bafejados pela sorte. Lula, nesse sentido, merecia entrar para o Livro Guinness de Recordes. Uma sorte grande - a conjuntura mundial excepcionalmente favorável, apesar dos soluços dos mercados financeiros dos últimos dias - transformou em realidade no seu governo o sonho de todos os governantes: neutralizou, pelo menos no curto prazo, os seus muitos erros e insuficiências, e recompensou os seus acertos, concentrados na política econômica, com dividendos extravagantes. As circunstâncias permitiram ao presidente contrariar o dito clássico de que não é possível comer o bolo e guardá-lo ao mesmo tempo.

Mesmo que ele tivesse apenas uma fração do seu formidável carisma, mesmo que não fosse tido pela grande maioria dos brasileiros como "um de nós", mesmo que o grosso do eleitorado sentisse por ele o que sentia por Fernando Henrique - respeito, mas não afeto -, os números que não cessam de se empilhar na coluna do haver de sua gestão e os fatos da vida real da população que eles sintetizam decerto bastariam para torná-lo o candidato mais forte no confronto sucessório - com mensalão e tudo. Tudo somado, então, ele emerge das pesquisas como praticamente imbatível - premiado pelo lado positivo do seu mandato e invulnerável às falcatruas do seu partido e na sua administração.

Ainda agora, até um crítico acerbo e coerente do lulismo - o economista e ex-ministro Mailson da Nóbrega - descreveu, em um evento promovido pelo jornal Valor, um panorama no qual todos os elementos conhecidos e largamente previsíveis convergem para indicar que o presidente conquistará o segundo período de governo que almeja desde o dia inaugural do primeiro. E esses dados se mostrarão à plenitude justamente nos meses imediatamente anteriores ao pleito, consolidando, na hora ideal para Lula, o feel-good factor de que falam os analistas. No segundo semestre, antecipa Mailson, é que a economia deverá se expandir a taxas superiores a 4% ao ano, proporcionando "mais renda e mais emprego".

No auge do "espetáculo do crescimento", prematuramente anunciado por sinal - mas quem haverá de se lembrar? -, as chances de Lula liquidar a fatura eleitoral já no primeiro turno serão imensas. "Há um cenário de aumento de renda, diminuição da taxa de juros e expansão do crédito", descreveu Mailson. A inflação, medida pela variação dos preços ao consumidor, ficará pouco acima de 4%, outro plus para o presidente. Não deixa de ser irônico que Lula seja o principal beneficiário eleitoral das políticas de estabilização adotadas pelo antecessor - a "herança maldita" - a quem ele acha que se pode comparar favoravelmente em qualquer quesito imaginável.

Ainda no plano macroeconômico, o aporte de investimentos diretos estrangeiros este ano deverá se aproximar de US$ 17 bilhões. Não é um aporte inaudito na recente história brasileira, mas é suficientemente vultoso para ser invocado legitimamente na campanha eleitoral como evidência da confiança do mundo no Brasil.

O presidente terá a ostentar ainda que no seu governo o salário mínimo cresceu algo como 25%, já descontada a inflação. Com inflação contida e queda do dólar, de acordo com cálculos da própria oposição, chega a 60% o aumento do poder de compra da população com renda de até 5 salários mínimos. No rés-do-chão da pirâmide social, enfim, mais de 10 milhões de famílias, ou cerca de 50 milhões de pessoas, ou ainda 25 milhões de eleitores, formam a grata clientela do Bolsa Família.

Nenhuma surpresa, portanto, no fato de que a intenção de voto em Lula, registrada pelas pesquisas, seja mais freqüente quanto menor a renda familiar e a escolaridade dos entrevistados, e que, geograficamente, o seu pior desempenho seja no próspero Sul.