Título: 'O plano de Olmert não tem chance'
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2006, Internacional, p. A13

Líder da esquerda israelense, o parlamentar Yossi Beilin, de 56 anos, fala devagar e baixo, como se não tivesse pressa. Mas, na verdade, Beilin age como se não tivesse tempo a perder. Atua há mais de 20 anos nos bastidores do conflito entre israelenses e palestinos na tentativa de resolver o impasse que mantêm os dois povos em pé de guerra. Alguns argumentam que seu trabalho deu frutos. Afinal, líderes da direita, como ex-primeiro-ministro Ariel Sharon e seu sucessor, o atual premiê Ehud Olmert, mudaram drasticamente de opinião nos últimos anos, defendendo o desmantelamento de colônias judaicas em territórios palestinos - algo que, até há pouco, era plataforma apenas da esquerda.

Beilin é arquiteto de iniciativas de paz como os Acordos de Oslo - que culminaram no aperto de mão, em 1993, entre o ex-premiê Yitzhak Rabin e o ícone palestino Yasser Arafat - e, mais recentemente, o Acordo de Genebra. Beilin cultiva uma amizade pessoal com o atual presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas. Na Knesset, o parlamento israelense, atua desde 1988, primeiro como integrante do Partido Trabalhista e, mais tarde, como líder do mais importante partido de esquerda, o Meretz. Nesta entrevista ao Estado em seu escritório na ala nova da Knesset, Beilin se diz otimista quanto ao futuro, mas avisa: não vai apoiar a retirada unilateral da Cisjordânia proposta por Olmert. Mesmo que isso signifique adiar a saída parcial da região.

O sr. sempre defendeu o fim da ocupação israelense dos territórios palestinos. Líderes de direita, que se recusavam a deixar os territórios, adotaram essa idéia nos últimos anos. Ariel Sharon saiu da Faixa de Gaza e Olmert, que agora lidera um partido de centro, o Kadima, fala em desmantelar assentamentos na Cisjordânia. O que aconteceu? Acho que os líderes da direita mudaram por causa das estatísticas demográficas. O Estado de Israel foi criado para dar aos judeus um lar nacional com maioria própria. Mas como conseqüência da ocupação, Israel controla hoje um grande número de árabes palestinos. Se eles forem incorporados ao país, em quatro ou cinco anos teremos mais palestinos do que judeus sob controle de Israel. A direita israelense não quer isso.

Não tem também um aspecto moral nessa mudança em relação à ocupação? No caso do Olmert, não acho que é isso que o move. Desde 1967, a esquerda israelense apela para que não sejam construídas colônias nos territórios ocupados na Guerra dos Seis Dias também por causa da questão demográfica, mas principalmente por causa da imoralidade da ocupação. A direita, no entanto, nunca levou a sério os direitos dos palestinos de ter de volta suas terras. Eles diziam: "Há muitos países árabes no mundo, os palestinos podem se mudar para algum deles". A direita também achava que milhões de judeus imigrariam para Israel e que sempre haveria maioria judaica no país, mesmo com a ocupação dos territórios. Erraram.

Apesar da motivação estritamente demográfica, a direita deu um passo em direção ao que a esquerda prega, que é o fim da ocupação, não? Sim, um passo muito grande, apesar de tudo. Mesmo que ainda haja muitas divergências. A direita não esta pronta para admitir que temos parceiros entre os palestinos e que podemos chegar a um acordo com eles. Não identificam que os palestinos são seres humanos muito parecidos conosco e que também têm direito a uma definição nacional própria.

Apesar disso, a distância entre esquerda e direita parece menor... É verdade. Nos encontramos numa fase histórica inédita. Até 2000, a discussão era muito mais complicada. A direita dizia "vamos nos manter nos territórios" e a esquerda dizia "vamos abrir mão de grande parte deles". Desde 2003, o foco mudou. Passou a ser como vamos sair dos territórios e não se vamos sair. A esquerda prega que isso seja feito através de negociação. A direita diz que não há parceiros palestinos. Ou são radicais demais ou fracos demais. Obviamente, não concordo com essa visão.

Olmert foi eleito no começo do ano com base no chamado Plano de Convergência, que prevê a retirada unilateral israelense de 90% do território da Cisjordânia. O plano do primeiro-ministro tem chance de dar certo? Nenhuma chance. Pode esquecer. Não vamos apoiar. Sem o meu partido (o Meretz, com 5 cadeiras no Knesset) e as legendas árabes (com dez cadeiras), Olmert não tem maioria (61 votos) para aprovar o plano. Hoje, ele conta com apenas 55 parlamentares, e isso na melhor das hipóteses - se não perder votos dentro de seu próprio partido, o Kadima, que é um saco de gatos. Conosco e com os árabes, ele tem 70.

Por que essa oposição? Afinal, não é melhor sair de parte da Cisjordânia do que nada? Não. As coisas têm que ser feitas através de negociação. Olmert também não vai conseguir apoio internacional. Líderes mundiais como George W. Bush, Tony Blair e Jacques Chirac têm dito a ele duas coisas. Primeiro, é preciso negociar com os palestinos. Segundo, se você quiser sair da Cisjordânia sem negociar, vamos lhe apoiar só se você sair como saiu de Gaza. Isto é: de toda a região, sem exceções.

O sr. vê a possibilidade de Israel voltar às fronteiras de 1967? Não. E nem é preciso. Israel poderá manter seu domínio sobre muitas áreas perto das fronteiras anteriores à guerra de 1967. Mas sob condição de transferir áreas correspondentes em tamanho para o Estado palestino.

Qual é o ponto mais complicado da retirada da Cisjordânia? Jerusalém. Sem dúvida.

Olmert disse que nunca vai dividir a cidade... Se ele realmente pensa assim, não há acordo. Isso também explica porque ele não está interessado em negociar. Ele não quer pagar o preço necessário pela paz.

E o lado palestino? Está interessado em pagar o preço? Me encontrei com Abu Mazen (o presidente palestino Mahmud Abbas) há umas três semanas e ele me disse que está preparado para negociar com Israel e levar os resultados da negociação a plebiscito nacional. O que acontece hoje na sociedade palestina também é inédito. Existe uma disputa muito importante e difícil entre vozes pragmáticas e extremistas.

Essa disputa pode levar a uma guerra civil? Militantes do Fatah e do grupo radical Hamas têm se enfrentado nas ruas... Pode ser. Identifico muitas características de guerra civil na disputa de poder entre os palestinos. Mas espero que Abbas e os moderados saiam vencedores.

O sr. parece pessimista... Você acha? Não, pelo contrário. Só o fato de que temos hoje um primeiro-ministro que veio da direita, mas que está interessado em devolver 90% da Cisjordânia já é um grande progresso. E, do outro lado, o fato de que Abbas queira chegar a um acordo mesmo que isso signifique bater de frente com o Hamas, me dá muita esperança. Há elementos muito positivos, mesmo que isso não vá levar à paz no curto prazo.