Título: Manobra de advogados adia júri
Autor: Laura Diniz
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2006, Metrópole, p. C1,3

Defesa de Suzane retirou-se do plenário, irritando juiz; defensores dos Cravinhos nem compareceram ao fórum

Manobras de advogados, com direito até a abandono do plenário, provocaram tumulto ontem no 1º Tribunal do Júri e o adiamento para 17 de julho do julgamento de Suzane von Richthofen e dos irmãos Daniel e Christian Cravinhos. Os três são acusados do assassinato dos pais dela, Manfred e Marísia, em 31 de outubro de 2002.

Alegando cerceamento do direito de defesa, os advogados dos Cravinhos, Geraldo e Gislaine Jabur, nem apareceram no Fórum da Barra Funda, zona oeste. Os de Suzane, comandados por Mauro Otávio Nacif, deixaram o plenário depois que o juiz Alberto Anderson Filho negou um pedido de adiamento do júri, apresentado com o argumento de que uma testemunha de defesa está no exterior.

Com o adiamento, Suzane continua em prisão domiciliar. "A situação dela é a mais cômoda possível", disse o promotor Roberto Tardelli. "Se não for recolhida a um presídio, é melhor que seja posta em liberdade, porque o tempo que passar em casa será abatido da pena", afirmou o promotor Nadir de Campos.

Os advogados da jovem discutiram, por quase duas horas, a necessidade do depoimento de Cláudia Sorge, amiga de Marísia. Desde maio, já constava do processo que ela não poderia ir ao júri, marcado em fevereiro, porque estaria no exterior.

Ontem, a defesa quis convencer o juiz de que Cláudia era imprescindível ao julgamento. Nacif, porém, se contradisse. Afirmou que, se o júri fosse remarcado para hoje, ele substituiria o testemunho dela pelo de outra pessoa. O juiz quis saber como Cláudia era imprescindível se hoje poderia haver substituição. Nacif tentou contornar a situação, mas Anderson negou o pedido. A discussão terminou com os quatro advogados de Suzane retirando-se do plenário.

"Todos também perceberam e entenderam o que aconteceu e como a coisa foi manobrada, deixando quase que evidente que nunca houve intenção de realizar esse julgamento", disse Anderson, no plenário, em relação à defesa de Suzane. "E, se não fosse por essa, seriam por outras 20, 50, 100 razões."

Os Jabur, por sua vez, alegaram que não conseguiram falar com os clientes na Penitenciária de Itirapina (SP) para prepará-los para o júri. Christian lembrou o fato ao juiz. "Por isso, os senhores vieram antes, na quinta-feira", disse Anderson, referindo-se à transferência dos irmãos para o Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, zona oeste. "Procuramos de toda forma avisar (os advogados) e, mesmo avisados, eles não foram lá." Segundo o juiz, foi oferecido ainda levar os réus ao fórum para facilitar o contato. Os Jabur recusaram.

Suzane e os Cravinhos entraram no plenário às 13h55. Foi o primeiro encontro entre a jovem e o ex-namorado Daniel depois da prisão, mas ela não olhou para o rapaz. Os três ficaram sentados do lado direito do juiz, de frente para o público - Suzane mais à direita, Daniel no meio e Christian na outra ponta. Suzane só olhava para a esquerda e Daniel, para baixo.

Os Cravinhos estavam algemados e com roupas de presidiário - moletom branco, calça amarelo fosforescente e chinelo de dedo. Às 14h15, eles deixaram o local. Suzane, sem algemas, usava blusa bege, jeans claros e bota de camurça caramelo. Estava mais magra do que na entrevista exibida em abril pela TV Globo e com o cabelo penteado para trás.

A jovem ficou de cabeça baixa e falou só uma vez. "Não vi mandato do senhor no processo", disse o juiz a Nacif - isso significa que ele não estava oficialmente constituído como defensor. "Suzane, levante-se e diga quem são seus advogados", ordenou Nacif. "Denivaldo Barni Júnior, Mário Sérgio de Oliveira, Eleonora Rangel Nacif e Mauro Otávio Nacif", respondeu, em voz baixa.

A sessão acabou às 16h20. Suzane seguiu para o escritório dos advogados, no Paraíso, zona sul. A pedido de Tardelli, o juiz fará um comunicado à seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) para que apure uma eventual falta dos advogados.

"Tenho 100% de certeza de que vai acontecer tudo de novo", disse o promotor, já prevendo em julho novas tentativas de adiamento. Precavido, Anderson designou o defensor público Thiago Alcoser Marin para ficar de reserva no júri em julho e representar Suzane, caso os advogados não compareçam. "Fiquei decepcionado. Foi mais coerente a atitude dos que não foram que a daqueles que foram e fizeram aquele papelão", disse o assistente de acusação Alberto Toron.

Para o jurista Paulo José da Costa, a falta de uma testemunha da defesa já ouvida no processo não é motivo para adiar o júri. "O depoimento no plenário pode ser suprimido pelo que existe no processo", garantiu.

Advogados usam artifícios no júri por outras razões. Como,por exemplo, ganhar tempo para que o réu seja solto graças a habeas-corpus - benefício já pleiteado pelos Cravinhos. No caso de Suzane, a vantagem do adiamento é mais evidente, porque o tempo da prisão domiciliar será abatido da pena.

Além disso, as defesas brigam para evitar que os clientes se sentem antes no banco dos réus. O raciocínio é o de que, se a outra parte for julgada antes, os argumentos aceitos pelos jurados - contra ou a favor dos réus - já serão conhecidos e os defensores poderão ter uma estratégia mais eficaz no segundo júri.

O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D'Urso, afirmou que não iria se manifestar ontem sobre a atitude dos advogados porque tinha "informações incompletas". Ele disse que o Tribunal de Ética vai analisar com "total isenção" a representação feita pelo juiz.