Título: A cristaleira Bernanke
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2006, Economia & Negócios, p. B2

Enquanto cresce a percepção de que a economia brasileira se robustece e, por conta dessa robustez, dá corpo às intenções de voto no presidente Lula, lá fora as incertezas aumentam.

Ontem, Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), fez novas advertências. Quem o ouviu entendeu que está sendo preparado um bombardeio grosso contra a inflação.

No momento, os mercados não sabem exatamente o que têm a temer e, nessas condições, vêem em tudo prenúncio de coisa que boa não é.

Há três semanas, a maior fonte de medo era a provável cavalgada da inflação americana que levaria o Fed a puxar pelos juros, movimento que poderia provocar uma gigantesca recomposição das carteiras de aplicações financeiras.

A desvalorização do dólar nos mercados internacionais em relação às demais moedas fortes vinha sugerindo que, no momento, o refúgio mais valorizado para as aplicações financeiras passou a ser ativos em euros ou ienes japoneses.

Logo se viu que não há no mundo ativos em euro e ienes suficientemente numerosos para dar conta de um ajuste de tais proporções. Em todo o caso, a percepção geral foi de que nos Estados Unidos a inflação poderia estar forte demais, o que exigiria correção.

Sexta-feira, as novas estatísticas sobre o comportamento do mercado de trabalho dos Estados Unidos informaram que, em maio, foram criados apenas 75 mil empregos, número substancialmente mais baixo do que o esperado.

De um lado, essa revelação afastou os temores de que estivesse em curso uma perigosa expansão da demanda. De outro, espalhou suspeitas de que a economia americana já estaria mergulhando na recessão.

Com isso, o risco de novas altas de juros parecia dissipado. Em compensação, aumentou a expectativa de que o provável início da paradeira pudesse provocar desemprego, perda de renda e dificuldades crescentes para que o consumidor, já fortemente endividado, honre seus contratos.

Ontem, em pronunciamento diante de uma platéia formada por banqueiros, Bernanke aumentou a temperatura emocional dos mercados. Reconheceu que a economia americana está passando por uma "fase de transição". Como a economia mundial e, especialmente, a americana, vinha passando por tempos de fartura, uma "fase de transição" só poderia estar prenunciando dias mais difíceis.

Bernanke reconheceu que a atividade econômica dos Estados Unidos está esfriando, mas não comprou a ênfase dada por aqueles que temem um período de funda recessão. Preferiu dizer que é a inflação que precisa de tratamento duro.

Os mercados despencaram porque entenderam que vem aí novo aumento de juros, eventualmente conjugado a certa retração da atividade econômica. Difícil deixar de pensar em novos tempos sofridos, os mesmos que os economistas chamam de estagflação.

Mas não dá ainda para saber do que exatamente está falando Bernanke. Ele assumiu a presidência do Fed em fins de janeiro e enfrenta a complicada síndrome do calouro. O simples fato de suceder no cargo o campeão em credibilidade, Alan Greenspan, já é problemão à parte.

Mas essa desvantagem foi agravada há pouco mais de um mês por declarações desastradas a uma jornalista americana. Bernanke passou a impressão de que é uma cristaleira em casa situada à beira de uma ferrovia, que treme a cada passagem de trem.

Parece inseguro e essa imagem contagia os mercados que dele esperam certezas e condução firme da política monetária. Em certos momentos, Bernanke enfatiza a necessidade de "uma pausa" na trajetória dos juros para que estes possam completar o ataque à inflação. Em outros, como ontem, sugere que é preciso mão pesada contra a disparada dos preços.

Em outras palavras, Bernanke passa vacilação sobre o que fazer. Às vezes, opta por reforçar sua condição de xerife da moeda, que enfatiza a necessidade de fortalecer o dólar. Outras, se apresenta como alguém que precisa acalmar os mercados enquanto espera que o remédio já aplicado produza o efeito desejado.

É o que ajuda a explicar tanta volatilidade nos mercados.