Título: As aflições da banda boa
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2006, Nacional, p. A6

Uma preocupação assola a alma daquele tipo de parlamentar eleito pelo voto "de opinião", gente que escapou dos escândalos, não foi personagem de denúncias, e, em condições normais, teria sua reeleição garantida: o temor de sucumbir ao desgaste que atingiu todo o mundo político - do governo, do Congresso e dos partidos.

A aflição é mais intensa entre os deputados do PT, cuja legenda sofreu os maiores prejuízos da crise e, ao mesmo tempo, é mais cobrada pelo eleitor porque fez carreira entre o público mais informado e exigente.

Se esse eleitor se abstiver, votar nulo ou simplesmente mudar sua escolha para outro partido, o risco é a representação do PT sofrer não só uma redução numérica significativa, mas uma queda acentuada na qualidade de seus integrantes.

A "banda podre" sempre dá seu jeito: tem dinheiro "não contabilizado", relaciona-se com o eleitor na base do fisiologismo, não se constrange com as cobranças e na maioria das vezes conta com nichos - para não dizer "currais" - de votos garantidos.

A "banda boa", dependente do discurso, está sem uma boa história para contar em casa e não pode contar com a ajuda do presidente Luiz Inácio da Silva, pois a nenhum deles Lula parece disposto a dividir sua popularidade com o PT. Ao contrário, quer distância.

Esses deputados são, obviamente, os que sofrem as maiores cobranças. Por onde andam ouvem que eles, particularmente, ainda merecem confiança, mas por conta do conjunto da obra petista esse gênero de eleitor mais engajado não pretende lhe dar o voto.

Há exceções. Os parlamentares que fizeram parte das investigações, tiveram papel de destaque nas comissões de inquérito e conseguiram manter uma posição relativamente isenta, sem excessiva identificação com a defesa de comprovados malfeitores, ainda estão mais ou menos tranqüilos.

É o caso do deputado José Eduardo Cardozo, do PT paulista. Sua atuação na CPI dos Correios, imagina, lhe dá alguma vantagem. "Eu tive a oportunidade de mostrar minha posição favorável a punições internas mais duras e a uma autocrítica mais severa, que acabaram não acontecendo. Mas a maioria não teve espaço para dizer o que pensa e agora corre o risco de ser jogado pelo eleitor na vala comum, junto com os que realmente têm culpa no cartório."

O deputado se abstém de citar nomes ou de aprofundar as críticas ao partido e a correligionários envolvidos diretamente nas denúncias, vários absolvidos, todos eles candidatos a voltar ao Congresso devidamente anistiados pelas urnas. Neste aspecto, José Eduardo Cardozo compartilha da preocupação com o perfil da futura bancada do PT a partir de 2007.

O candidato "de opinião" em geral não conta com eleitorado cativo, seja por região ou corporação, não pode se arriscar ao uso do caixa 2 sob o risco de ser alvo de denúncia futura, não tem sustentação financeira de grupos interessados na reciprocidade durante o exercício do mandato, vive de seu próprio prestígio, agora sob o risco da contaminação provocada pelo desgaste geral.

Os candidatos sem compromisso com a opinião do público acabam se beneficiando da desmoralização generalizada, pois seu eleitorado, mais referido na obtenção de benefícios diretos, como obras resultantes de emendas ao Orçamento da União e esquemas organizados pelo chefe político mais próximo, não dá importância a questões de natureza ética.

O deputado Paulo Delgado, do PT mineiro, é outro exemplo. Ele ainda não começou a campanha. Está esperando o "horizonte ficar mais claro". Quer saber se o PT vai se submeter a todas as conveniências e inconveniências só para reeleger Lula.

Se a escolha for a "destruição" do PT em nome da reeleição, Delgado não vê saída: terá de adotar uma posição mais crítica em relação aos escândalos e ao governo. "Vamos precisar separar com nitidez as ações boas de nosso governo daquilo que é propaganda inadequada."

Paulo Delgado acha fundamental o partido esboçar alguma reação, até por uma questão de justiça. Afinal, diz ele, foram esses deputados chamados de opinião que conferiram prestígio ao PT.

De fato, deram à legenda o caráter diferenciado que, a depender do comportamento dos candidatos e do humor do eleitorado, pode se perder de vez caso seus melhores quadros se vejam na contingência de assistir de fora à volta dos mensaleiros.

Caso pensado

Há quem aposte que o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, tenha atacado duramente o presidente Lula por suas críticas ao Congresso para tentar pôr um freio numa ofensiva de desqualificação do Parlamento posta em prática a partir do Palácio do Planalto.

Um sinal: o excesso de medidas provisórias sem importância. Seriam editadas com o intuito de trancar a pauta e abrir espaço para a constatação da paralisia do Legislativo.

Embora faça sentido, se é um plano de desmoralização com vistas a socializar o prejuízo entre todos os políticos, suas excelências no mínimo fazem de tudo para que dê certo.