Título: MP contra invasões só é mantida no papel
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2006, Nacional, p. A10

Com receio de provocar os ruralistas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca propôs o fim da medida provisória que coíbe invasões de terras. Oficialmente, continua valendo a norma pela qual toda terra invadida fica fora do processo da reforma agrária por pelo menos dois anos. Na prática, porém, o governo faz de conta que a lei não existe. "O direito à propriedade no País está acabando. Isso é um fato consumado", reclama o presidente do Movimento Nacional dos Produtores (MNP) João Bosco Leal. Assinada por FHC em maio de 2000, no auge da escalada de ações do MST, a MP teve efeito dramático: o número de invasões despencou de 592 em 1999 para 163 em 2002. No ano seguinte, com a ascensão de Lula, as ações voltaram a crescer e chegaram a 391.

Em alguns lugares, o MST, que comanda a maioria das ocupações dos sem-terra no País, seguido de perto por sindicatos de trabalhadores rurais ligados à CUT, ainda toma o cuidado de não invadir diretamente a propriedade que almeja. De acordo com essa tática, invade-se a área vizinha, para chamar a atenção do poder público.

Nem sempre, porém, tomam esse cuidado. Os casos mais notórios são aqueles em já se sabe que o Incra pode comprar a propriedade, em vez de desapropriá-la. Recentemente, no interior de São Paulo, o Incra comprou as fazendas Aprumado, em Rancharia, e Santa Luzia, em Mirante do Paranapanema, logo depois de terem sido invadidas pelo MST.

Para o sociólogo Zander Navarro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador visitante do Institute of Development Studies, da Universidade de Sussex, Inglaterra, a MP representou um marco relevante de ação governamental, uma vez que se destinava sobretudo a derrubar a idéia de que a reforma agrária deve ser feita "no grito" e não como uma política de Estado: "Significou um avanço, permitindo impor mais racionalidade ao programa. Deveria ser mantida, mas para isso precisaríamos de um governo mais sério neste campo da reforma agrária." O deputado e ex-ministro Raul Jungmann lembra que, além de atropelar a MP, o governo Lula ignorou outras duas medidas da gestão de FHC, destinadas a organizar o processo de assentamentos. Uma delas punha de lado as indicações políticas para as superintendências regionais do Incra e passava a adotar critérios de mérito e idoneidade. "O PT acabou com isso tão logo chegou ao poder." A segunda medida, diz ele, destinava-se a evitar o nepotismo no quadro de funcionários do instituto.