Título: Foram-se os superávits crescentes?
Autor: Raul Velloso
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/05/2006, Economia & Negócios, p. B2

Muitos imaginavam que o advento do governo do PT trouxesse a derrocada dos expressivos superávits primários (excedentes de caixa antes de pagar juros) que vinham sendo gerados pelo setor público desde 1999. Para surpresa geral, em vez de cair, os superávits têm subido sistematicamente desde a posse do novo governo. Nesses termos, depois de a dívida pública ter aumentado fortemente na transição entre o governo anterior e o atual, aos poucos o controle sobre a evolução da dívida pública foi sendo retomado. E agora já se começa a falar na real possibilidade de uma retomada do processo de crescimento econômico sustentado.

Em porcentagem do produto interno bruto (PIB), os superávits primários consolidados (União, Estados, municípios e empresas estatais) haviam subido de quase zero em 1998 para 4% em 2002. Em 2003, aumentaram para 4,3%, quando muitos esperavam queda. Em 2004, novo aumento para 4,6%. E, finalmente, em 2005, verificou-se o valor recorde desde o lançamento do Plano Real: 4,8% do PIB.

Nas minhas apresentações, costumo denominar esse feito como o "milagre Palocci", uma homenagem àquele que, ao que se imagina, foi o principal artífice e garantidor dessa difícil tarefa até o ano passado, especialmente quando se trata de um governo cujo partido dominante sempre se posicionara contrariamente a esse tipo de realização. Palocci liderou o processo do aumento dos superávits mesmo em anos críticos como 2003 (ano em que o PIB cresceu apenas 0,5%).

A pergunta do dia é se os superávits vão cair, agora que o ministro se foi.

Melhor formulada, a pergunta seria se a queda que deverá ocorrer este ano (que já se manifestou, de forma clara, nas divulgações oficiais relativas ao primeiro trimestre): 1) fará o resultado ultrapassar, para baixo, a meta oficial, de 4,25% do PIB; 2) tenderá a se aprofundar a partir do ano que vem.

Costumo dizer que neste ano dois elementos se aliam contra a busca de equilíbrio nas contas públicas. O primeiro é o fato de 2006 ser ano eleitoral, pois nesses anos costumam ocorrer gastos adicionais de monta para ajudar a reeleição dos dirigentes do dia. O segundo é o virtual esgotamento do processo de geração de superávits crescentes desde 1999, que, mais cedo ou mais tarde, se mostraria com força.

É difícil saber se o reajuste de R$ 300 para R$ 350 no salário mínimo (e, portanto, em grande volume de benefícios assistenciais e subsidiados) se debita à tendência que vem desde 1988, época da edição da nova carta constitucional, ou se foi feito principalmente para ajudar a reeleger o atual governo.

O drama atual assume, de qualquer forma, duas faces. Uma é a de que os eventuais aumentos de gastos com motivação eleitoral não mais poderão ser apagados no ano seguinte, algo que poderia ocorrer quando esses aumentos se concentravam no item "investimentos". (No passado se dizia que os gastos eleitorais não eram problema maior, pois no ano seguinte tudo voltaria a ser como era antes.) Agora, o que se tem é decisões como a do aumento do salário mínimo, cujas repercussões não mais se apagarão das contas: ali estarão entranhadas o resto da vida.

Isso tem que ver com o fato de que os gastos de natureza obrigatória (notadamente: pessoal, Previdência, assistência social e saúde) tomaram conta da pauta da despesa federal, representando nada menos do que 90% do gasto não financeiro total.

O que nos leva à segunda face do grande problema fiscal brasileiro. De 1999 para cá os crescentes superávits foram obtidos na presença de forte crescimento dos gastos obrigatórios, o que só foi possível porque a carga tributária explodiu e os investimentos foram ao fundo do poço. Por isso é que, agora, passados tantos anos da mesma lengalenga, o processo de geração de superávits crescentes está se esgotando.

Nesses termos, a mensagem final infelizmente é pouco otimista: se não for neste ano, logo, logo - e se não se fizer nada - estará encerrada a fase dos superávits permanentemente crescentes.