Título: Câmara livra o 10º mensaleiro de cassação
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/05/2006, Nacional, p. A4

Josias Gomes, do PT, admitiu ter recebido R$ 100 mil, mas disse não saber que eram recursos irregulares

De novo com baixa presença, o que sempre beneficia o acusado, a Câmara absolveu ontem o deputado Josias Gomes (PT-BA). Ele confessou ter recebido pessoalmente R$ 100 mil das contas do empresário Marcos Valério - uma parcela diretamente das mãos do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e outra na agência do Banco Rural do Brasília Shopping. O dinheiro, segundo ele, foi utilizado para o pagamento de dívidas da campanha de 2002.

Foi o décimo parlamentar acusado no escândalo do mensalão a escapar da cassação. Josias obteve 190 votos pela salvação de seu mandato; pela cassação, votaram 228. Essa maioria não foi suficiente para a perda de mandato, porque para a cassação são necessários 257 votos (a maioria mais um). Houve ainda 19 abstenções, 5 votos em branco e 1 nulo. Votaram 443 dos 513 deputados - faltaram 70, portanto.

Curioso é que, de todos os acusados por envolvimento com o mensalão, Josias foi o único que entregou ao banco a carteira de deputado, para comprovar que era ele mesmo quem retiraria o dinheiro. Ele transformou esse detalhe em peça de defesa.

"Eu próprio fui ao Banco Rural. Jamais poderia imaginar que era dinheiro de origem ilícita. Entregar a carteira de parlamentar seria um procedimento de quem recebe importância ilícita?", perguntou Josias ao plenário, pouco interessado em ouvi-lo naquele momento. Havia pouco mais de 200 deputados presentes quando o parlamentar fez sua defesa.

Antes de Josias, livraram-se da degola no plenário da Câmara João Magno (PT-MG), João Paulo Cunha (PT-SP), José Mentor (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT), Professor Luizinho (PT-SP), Roberto Brant (PFL-MG), Romeu Queiroz (PTB-MG), Sandro Mabel (PL-GO) e Wanderval Santos (PL-SP). Vadão Gomes (PP-SP) deu passo importante para escapar da cassação ao ser absolvido no Conselho de Ética. Dos 19 acusados, até agora só 3 foram cassados: Roberto Jefferson (PTB-SP), que denunciou o mensalão; o ex-ministro José Dirceu (PT-SP), apontado como o responsável pelo esquema, e o presidente do PP, Pedro Correa (PE). Renunciaram para fugir do processo de cassação os ex-deputados Valdemar Costa Neto (PL-SP), Carlos Rodrigues (PL-RJ), José Borba (PMDB-PR) e Paulo Rocha (PT-PA). Falta ainda o julgamento de José Janene (PP-PR).

Josias disse que sempre foi muito pobre. "Quando estudante, na Paraíba, plantava coentro e criava galinhas para sustentar meus estudos", relatou. Disse que foi durante o curso de agronomia, em 1980, que teve contato com o PT. E revelou que o dinheiro do crédito educativo que recebia usou em campanhas de filiação petista. "Corri o Estado inteiro. Pegava o dinheiro do crédito educativo, deslocava-me para as cidades para fazer filiação e, lá, fazia vaquinha para voltar de novo para o município de Areia", contou.

Para Josias, não existe mensalão. "Isso tudo é um factóide da mídia, que o chama de mensalão. Jamais se fundamentou na lógica", avaliou. O deputado Mendes Thame (PSDB-SP), relator do processo, disse que Josias recebeu o dinheiro em 2003, fora da campanha eleitoral, embora alegue dívidas eleitorais. No Rural, Josias retirou R$ 10 mil para pagar um parente, por serviço de som. "É contraditório, porque ele havia dito que pagara débitos de companheiros não eleitos", disse Thame.

Apenas representantes do PSOL falaram na tribuna a favor da cassação de Josias. No plenário, deputados da Frente Parlamentar em Defesa do Voto Aberto também aproveitaram a oportunidade para defender a aprovação da proposta de emenda à Constituição que extingue o voto secreto na Câmara - o que, segundo eles, impediria as absolvições de acusados de irregularidades.