Título: Alerta: risco de dengue em transfusão
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2006, Vida&, p. A30
Só exame de biologia molecular (NAT) é capaz de identificar presença de vírus em sangue de doadores
A dengue será o próximo foco de atenção dos bancos de sangue do País. Pesquisa inédita no Brasil, feita pelo maior hemocentro latino-americano, a Fundação Pró-Sangue, em São Paulo, identificou bolsas de sangue contaminadas com a doença - em cada mil, uma tinha o vírus da dengue. A incidência é equivalente à contaminação com vírus HIV, da aids, antes de as amostras passarem pelo controle de qualidade e serem liberadas para a doação.
"Independentemente do número de bolsas contaminadas, o resultado indica um fato alarmante: passa gente infectada com dengue pela triagem. Não se havia imaginado isso antes", diz Ester Sabino, chefe do Laboratório de Biologia Molecular da Pró-Sangue e coordenadora do trabalho.
Os resultados finais do estudo brasileiro serão apresentados oficialmente em outubro, na Conferência Americana de Banco de Sangue, na Flórida (EUA), encontro de maior destaque na área.
SELEÇÃO POR QUESTIONÁRIO
Hoje, a seleção dos doadores de sangue tem várias etapas. A principal é o teste de doenças pela análise do sangue das bolsas. Uma delas, no entanto, a que serve para identificar voluntários com sinais gerais de doenças infecciosas, como gripe e dengue, é feita apenas por meio de um questionário.
Hoje, uma pessoa com febre ou dor de cabeça forte, por exemplo, é eliminada como doadora. Mas somente se registrou esses sintomas num papel. "Apenas o exame de biologia molecular é capaz de identificar um vírus de ação rápida, como o da dengue, quando ele ainda tem força de contaminação", conta Ester.
O teste é o Nucleic Acid Test (NAT), que identifica o próprio vírus no sangue - e não os anticorpos, como ocorre com os outros tipos de exames. Para doenças crônicas, como aids, por exemplo, o NAT é útil para reduzir a chamada janela imunológica, período em que o vírus HIV não é detectado no exame laboratorial. Com ele, o vírus da aids é localizado em sete dias. Os outros testes são capazes de identificar o vírus em cerca de 25 dias após a contaminação.
Para doenças agudas, como a dengue, detectar o próprio agente (vírus) e não os anticorpos é fundamental. "Quando se localiza o anticorpo de doenças curtas no sangue, significa que a pessoa que doou não estava mais infectada, já que o organismo reagiu. Portanto, o voluntário não transmite mais a doença", explica Ester. O NAT detecta o vírus da dengue no sangue em apenas quatro horas.
ROTINA NOS EUA
Nos Estados Unidos, o NAT é usado como rotina. No Brasil, grandes centros privados, como os Hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein, em São Paulo, têm o teste.
No Sírio, por exemplo, o exame é usado há oito anos para identificar hepatite C. O HIV, desde 2001. "O problema é que o teste não está na lista do SUS. Ele custa US$ 25. O comum de aids, por exemplo, sai por R$ 7", afirma Dalton Chamone, diretor da Pró-Sangue.
O próximo passo do trabalho da Fundação é descobrir os efeitos do vírus da dengue no receptor do sangue contaminado. "Vamos analisar casos graves, internados no Hospital das Clínicas. Mas já é possível afirmar que é muito difícil não ter transmissão da doença. Quem precisa de sangue, na maioria das vezes, está debilitado", analisa Ester. "O sistema imunológico tem papel fundamental no combate ao vírus.
No estudo, feito em 2003 na capital, foram analisadas 4 mil bolsas de sangue. "Foi um ano de muitos casos na cidade, mas não como se esperava", lembra Ester.
Em 2003, São Paulo registrou 1.483 casos. "Se o estudo fosse feito agora em Santos, onde a incidência está altíssima, o número de bolsas infectadas seria muito maior que 0,1% delas", afirma. De 1º de janeiro até a última quinta-feira, Santos registrou 2.431 casos, o que representa aumento de 25% em relação ao mesmo período do ano passado.
A idéia de ir atrás de bolsas contaminadas com dengue no hemocentro de São Paulo surgiu por causa do temor de outro vírus, o do oeste do Nilo, conhecido como transmissor da "febre do Nilo".
No Brasil, ainda não houve registro dele, mas, em 2003, o ano da pesquisa, era motivo de discussão em várias partes do planeta, inclusive nos Estados Unidos, centro de referência em estudos sobre segurança em transfusão de sangue.
"O oeste do Nilo e a dengue têm muito em comum. Os dois têm o mosquito como agente transmissor, por exemplo, e podem se transformar em casos gravíssimos", diz Ester. O oeste do Nilo, na forma mais grave, provoca meningite e encefalite. A dengue, pode levar à hemorragia (ver ao lado).
Nos Estados Unidos, os primeiros casos do vírus oeste do Nilo foram registrados em 1999, em Nova York. A comprovação de que ele era transmitido por transfusão de sangue foi em 2002. "Um ano depois, os bancos de sangue do País já eram obrigados a identificar a doença nos doadores", conta Ester.
A última doença incluída na lista de testes obrigatórios nos hemocentros brasileiro foi a hepatite C, em 1993. No total, são sete principais doenças detectadas no doador: HIV, anemia, hepatite C e B, mal de Chagas, sífilis e HTL-V (vírus que afeta a corrente sanguínea).
AIDS
Os hemocentros no mundo inteiro começaram a se preocupar de fato com segurança no início dos anos 80, com o vírus da aids. "Ele pegou todo mundo de surpresa e representou a maior mudança nos bancos de sangue do planeta", explica Ester. "Hoje, os centros querem conhecer cada vez mais não só as doenças que podem ser transmissíveis, mas o próprio doador."
Recentemente, a própria Fundação Pró-Sangue concluiu um perfil do doador. Entre as características, 35% são homens e 68,9% das pessoas doam sangue voluntariamente.