Título: Privacidade? É preciso espionar mais
Autor: Max Boot
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2006, Internacional, p. A24

Praticamente todo mundo concorda que a capacidade humana de nossa espionagem está se esgotando. As chances de um agente da CIA estar na mesma caverna que Osama bin Laden quando se planeja o próximo 11 de Setembro estão desaparecendo lentamente.

A chance de nossa vulnerável segurança de fronteira ou transportes deter a próxima gangue de degoladores islâmicos não é muito maior. É simplesmente impossível proteger cada alvo convidativo numa nação do tamanho de um continente com quase 300 milhões de habitantes.

Quando se trata da guerra ao terror, nossa maior vantagem está em nossa grande habilidade eletrônica. A Agência de Segurança Nacional (NSA) tem seus problemas, mas há muito tempo é a melhor no negócio da interceptação e decifração de comunicações inimigas. Até agora. Se depender dos agitadores pró-liberdades civis, dos políticos que gostam de aparecer e dos editorialistas hipócritas, teremos de abrir mão de nossa linha de defesa mais potente graças a preocupações hipotéticas sobre a violação da privacidade.

Diversos críticos, que antes atacavam o governo de George W. Bush por fazer muito pouco para proteger o país, agora o atacam por fazer demais. Como a NSA se atreveu a receber, sem ordem judicial, registros telefônicos da AT&T, BellSouth e Verizon? Muito embora os registros fossem anônimos e não incluíssem nenhum conteúdo de nenhuma ligação (a Verizon e a BellSouth agora negaram ter fornecido qualquer informação), os alarmistas ofegantes anunciam a chegada do fascismo.

Supõe-se que a operadora Qwest seja a heroína deste drama, por ter, nas palavras do USA Today, "a integridade de resistir à pressão do governo". Não é um elogio freqüente a uma companhia acusada de fraude em massa cujo ex-diretor é alvo de 42 acusações de uso de informações privilegiadas.

Talvez a Qwest deva comemorar lançando uma campanha publicitária na qual se apresente como a provedora de telecomunicações preferida da Al-Qaeda.

Toda essa preocupação com a privacidade seria tocante se não fosse tão seletiva. Com algumas poucas palavras-chave, o Google mostra qualquer coisa publicada por ou sobre você. Mais algumas palavras podem, com toda a probabilidade, revelar a data de seu nascimento, seu endereço, número de telefone e todos os lugares onde você morou, além de fotos de satélite das casas e quanto você pagou por elas, qualquer ação judicial em que você esteve envolvido e muito, muito mais.

Basta só um pouco mais de trabalho para obter seu histórico de crédito completo e seu número de Seguro Social. Ou detalhes de suas compras, viagens e hábitos de navegação na internet. Tais informações são reunidas e vendidas rotineiramente por incontáveis grupos de marketing. Assim, tudo bem violar sua privacidade para lhe vender algo - mas não para protegê-lo de ser explodido.

Até onde os absolutistas das liberdades civis pretendem levar sua lógica? As tropas no Afeganistão e no Iraque em breve terão de ler os direitos dos suspeitos capturados e pedir mandado judicial antes de revistar o refúgio de um terrorista? Ou essas delicadezas limitam-se a nossas fronteiras, dando assim à Al-Qaeda e sua laia a liberdade de operar à vontade só nos EUA? Grande parte dessa tolice remonta à Lei de Vigilância de Inteligência Externa (Fisa), de 1978, que transformou juízes em supervisores de nossos chefes de espionagem. Foi uma reação compreensível a abusos como o grampo do FBI contra Martin Luther King Jr. Mas a Fisa é um luxo que não podemos mais nos permitir.

Não fosse o rigoroso critério de "causa provável" dessa lei, o FBI poderia ter examinado o notebook de Zacarias Moussaoui em agosto de 2001, talvez salvando 3 mil vidas. A Lei Patriótica derrubou algumas provisões da Fisa, como o "muro" entre os agentes de inteligência e de policiamento. Mas outras permanecem intactas para levantar questões desnecessárias sobre a legalidade de algumas medidas de segurança doméstica extremamente necessárias.

Esta lei arcaica deveria ser submetida à eutanásia. Deveria ser substituída por uma legislação que desse ao presidente permissão para ordenar qualquer vigilância considerada necessária, sujeita a apenas uma condição: se mais tarde fosse determinado que uma operação de coleta de inteligência não fora ordenada por razões legítimas de segurança nacional - se, por exemplo, o objetivo fosse reunir sujeira sobre oponentes políticos -, então os culpados seriam punidos com longas penas de prisão.

Até agora, não houve sugestões de que a NSA tenha feito qualquer coisa por motivos escusos. O governo não tem do que se envergonhar. O único escândalo aqui é que algumas pessoas preferem o desarmamento unilateral em nossa luta contra os homens-bomba.