Título: Faxina completa
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2006, Nacional, p. A8

Moralmente frágil, Congresso só pode pensar em CPI depois da renovação eleitoral

A proposta de instalar uma comissão parlamentar de inquérito para investigar o envolvimento de parlamentares com a máfia das ambulâncias superfaturadas a partir de emendas ao Orçamento da União é um gesto louvável, porém quase simbólico.

Representa um grito de socorro por parte dos chamados deputados de "opinião", que não tem eleitorado cativo em corporações, seitas e feudos que tais, e dependem do voto disperso, geralmente do eleitor mais bem formado e informado. Exatamente o público que acompanha mais de perto a política e se horroriza com "tudo isso que está aí".

Esse pessoal que sofre diretamente os efeitos dos humores da opinião pública está, com razão, preocupado em não sucumbir ao mar de lama na eleição de outubro e precisa se destacar da vala comum. Neste aspecto vale, e muito, a proposta da CPI: é uma forma - a mais à mão pelo menos - de manifestar insatisfação com a situação criada pela conduta preponderante no colegiado do qual fazem parte.

É claro que não há só boas intenções na lista de assinaturas pedindo a instalação da "CPI dos Sanguessugas". Nela embarcou também muita gente com culpa no cartório, interessada em pegar uma carona, confiante em que a proposta morrerá bem antes de chegar à praia.

Lamentavelmente, tudo indica que as excelências movidas pelo oportunismo estão sendo realistas. Ainda que o eleitor entenda o recado e, no fim, saiba preservar os bons, hoje não há a menor condição de o Congresso instalar nenhum processo de investigação, muito menos sobre corrupção parlamentar.

Nem falemos sobre o calendário da vida real que atropela qualquer fato.

Com Copa do Mundo e campanha eleitoral pela frente, ninguém vai prestar atenção em mais nada. Mas isto é o de menos.

O "pormaior" que realmente funciona como obstáculo intransponível à CPI é a fragilidade moral do Poder Legislativo, de resto compatível com a frouxidão ética vigente em toda parte.

Não há como recuperar, em curto prazo, o prejuízo causado pela instituição do vale-tudo patrocinado, aliado ao faz-de-conta apontado pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio Mello. Só quem tem tempo e instrumentos para devolver um pouco de autoridade ao Legislativo é o eleitor que se dispuser a ir às urnas munido com balde, água, sabão e um bom desinfetante.

Sem a faxina, a sujeira obstrui a visão do panorama, não permite a distinção entre a banda podre e a parcela saudável do Parlamento. O processo de investigação nasceria, portanto, desmoralizado pela contaminação e ameaçado pelo interesse dos culpados em compartilhar os prejuízos, valendo-se da lógica do "todo mundo faz" que acabou resultando nas cínicas absolvições oferecidas como produto do escândalo do mensalão.

Pode parecer um contra-senso, mas não é absurdo pensar que, no momento, talvez seja mesmo melhor essas investigações ficarem a cargo da Polícia Federal e do Ministério Público, com acompanhamento parlamentar independente, deixando a CPI para lá antes que uma nova onda de absolvições enganosas faça da Câmara dos Deputados uma central de produção e distribuição de atestados de inocência forjados no corporativismo de (maus) resultados.

Mestres

No PFL, até o racha é combinado. A cúpula do partido, preocupada com a reação do senador Antonio Carlos Magalhães à esperada vitória do senador José Jorge como candidato a vice na chapa de Geraldo Alckmin, consultou ACM antes da votação para saber se a derrota do candidato dele, José Agripino, não implicaria um veto dele ao vitorioso.

Na noite anterior, o senador baiano fez chegar ao grupo adversário, reunido num jantar em Brasília, que aceitaria o resultado sem contestações. Não fosse isso, o PFL, diz agora a cúpula, nem teria feito a votação.

Por via das dúvidas, os vencedores estão tratando de exaltar o desempenho do preferido de Antonio Carlos Magalhães, dizendo que a derrota por 6 votos foi uma vitória do senador dentro do partido.

Quem entende do riscado não se deixa pegar desprevenido nem na hora da briga.

Empate técnico

Os pefelistas não estão minimamente preocupados por terem optado pelo vice que não era preferido do PSDB e, com isso, desagradado ao partido dono da candidatura titular.

Quando cobrados na escolha de José Jorge em detrimento de José Agripino, respondem que Alckmin também não era a opção preferencial do PFL, que queria José Serra.

Motivação

Três razões são apontadas para justificar a escolha de José Jorge a vice: o alinhamento de Agripino a Antonio Carlos Magalhães e ao comando do PSDB; a necessidade de escolher um nome não identificado com ACM nem com o presidente do partido, Jorge Bornhausen, para não atritar os pólos de poder interno (José Jorge é ligado a Marco Maciel); e o imperativo de escolher alguém de perfil mais contido, dentro do princípio de que vice bom é vice discreto.