Título: Desaceleração ameaça os EUA
Autor: Paul Krugman
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2006, Economia & Negócios, p. B14

O mercado acionário não deveria ter se recuperado depois da forte queda de quarta-feira?

Não deveríamos dar muita importância ao desempenho das Bolsas em períodos breves. Mas parece que os investidores de repente estão se sentindo pouco confortáveis quanto à situação da economia americana. E deveriam estar. O mistério é descobrir por que não estão pouco confortáveis o tempo todo.

A alta dos preços das ações, iniciada no ano passado deveu-se basicamente à crença de que a economia americana pode desafiar a gravidade - que tanto os indivíduos quanto o país como um todo podem gastar mais do que ganham, não num determinado período, mas por tempo indefinido.

Para ser justo, num certo momento os dados pareciam confirmar essa crença: em 2005, o déficit comercial ultrapassou os US$ 700 bilhões, mas o dólar subiu em relação ao euro e ao iene. O preço dos imóveis deu um salto, mas a venda de imóveis continuou firme. O litro da gasolina beirou o equivalente a R$ 1,80, mas os consumidores continuaram a comprar gasolina e outros produtos, embora tivessem de pegar dinheiro emprestado para continuarem gastando - a taxa de poupança pessoal foi negativa pela primeira vez desde a década de 30.

Mas nas últimas semanas, a lei da gravidade parece ter voltado a agir.

O dólar começou a cair há um mês. Até agora, ele se desvalorizou menos de 10% em relação ao euro e ao iene, mas predomina a impressão de que os governos de outros países parecem menos dispostos a manter o dólar forte ao comprarem grandes volumes de títulos do Tesouro americano.

O mercado imobiliário parece se enfraquecer rapidamente. Em outubro, o índice de mercado habitacional da Associação Nacional de Construtores de Imóveis Residenciais e do Wells Fargo estava alto como no ano passado. Mas segunda-feira, a associação informou que o índice caiu para o nível mais baixo desde 1995.

Por fim, há indicações de que os consumidores, pressionados pela alta da gasolina, podem estar chegando ao limite.

Pesquisa da Federação Nacional do Varejo alerta que "embora os consumidores tenham suportado os custos mais altos da energia, um limite poderá ser percebido em breve".

Não resisto à tentação de assinalar que a reação do governo Bush ao aperto que os trabalhadores estão passando foi - adivinharam - acusar a mídia de recorrer a dados tendenciosos.

Dia 10 de maio, a Casa Branca divulgou uma nota intitulada "Colocando as coisas no lugar: The New York Times continua a ignorar o progresso econômico dos Estados Unidos".

A nota atacou o jornal por ter afirmado que os salários não estavam acompanhando despesas fixas como assistência médica e os gastos com gasolina. A Casa Branca declarou: "Mas o salário por hora aumentou 3,8% nos últimos 12 meses, o maior avanço em quase 5 anos".

Quarta-feira, o secretário do Tesouro, John Snow, repetiu a frase perante um comitê do Congresso. Mas o representante Barney Frank estava atento. Ele perguntou se esse número foi ajustado à inflação. Depois de hesitar, Snow admitiu, timidamente, que não estava ajustado.

Na verdade, praticamente todo o aumento de 3,8% foi corroído pela alta dos preços.

Enquanto isso, o retorno da lei da gravidade à economia representa uma ameaça definitiva ao crescimento americano. Afinal, o crescimento dos últimos três anos foi puxado principalmente pelo "boom" habitacional e pela expansão dos gastos do consumidor. As pessoas conseguiam comprar imóveis, embora os preços subissem muito mais que seus salários, porque a compra de títulos da dívida americana mantinha os juros baixos. As pessoas conseguiam manter os gastos, embora os salários não acompanhassem a inflação, porque o refinanciamento das hipotecas lhes permitia transformar em dinheiro a valorização crescente de seus imóveis.

Como já observei, nós nos tornamos uma nação em que as pessoas ganham a vida vendendo imóveis umas às outras, e pagam os imóveis com dinheiro emprestado da China.

Agora este jogo parece estar chegando ao fim. Precisaremos encontrar outro jeito de ganhar a vida - em particular, teremos de começar a vender produtos e serviços, e não bens pessoais, para o resto do mundo, e/ou substituir as importações com produtos locais. E o ajuste a um novo modo de ganhar a vida vai levar um tempo.

Teremos esse tempo? Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, diz que o que está acontecendo no mercado habitacional é "um tipo de esfriamento ordeiro e moderado".

Talvez ele esteja certo. Mas se não estiver, as recentes quedas do mercado acionário serão lembradas como o início de uma séria desaceleração econômica.