Título: O mínimo, mais que um desastre fiscal
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2006, Espaço Aberto, p. A2

Este jornal publicou na segunda-feira uma síntese de estudo do economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do governo federal, sobre o custo dos aumentos reais do salário mínimo desde 1994. O resultado é assustador, pois, ao lado de confirmar um dos maiores problemas da gestão fiscal brasileira - a insistência em elevar o valor real do salário mínimo sem ponderar suas nefastas conseqüências -, é também sintomático da falácia do tal ajuste fiscal propalado pelos governos federais que se sucederam desde então.

Esse ajuste é enganoso porque, na realidade, é um embuste fiscal disfarçado marotamente pela ênfase dada pelo governo à existência de um vultoso superávit primário (receita menos despesas antes de pagar os juros), vendido à opinião pública mediante propaganda enganosa que ressalta o "aperto" ou o "esforço" governamental em "ajustar" suas contas. Esse superávit, contudo, sempre esconde um déficit final, que resulta quando são contados os juros da enorme dívida pública. E mais: os superávits primários emergem não porque as despesas tenham sido contidas ou reduzidas - o que seria um autêntico ajuste, como os que as pessoas usualmente praticam nas suas famílias e nos seus negócios -, mas porque, mediante contínua e forte expansão da carga tributária, o governo aumenta persistentemente suas receitas e consegue fazer isso acima do crescimento das despesas. Assim, quem faz mesmo um autêntico ajuste ou esforço é o contribuinte, indefeso diante da fúria gastadora e arrecadadora do governo.

Nesse contexto, o estudo concluiu que em valores atualizados os referidos aumentos reais do mínimo custaram ao governo federal, por efeito de seu impacto sobre as despesas com aposentadorias e pensões do INSS, a enorme cifra de R$ 250 bilhões, ou 12,1% de um produto interno bruto (PIB) avaliado em R$ 2,2 trilhões em 2006. Além disso, concluiu também que esse custo corresponde a 12,1% da dívida pública atual, cujo valor é próximo de 50% do PIB, e na ausência desse gasto seria bem menor, numa magnitude de 37,9% do PIB. Vale lembrar que à época do Plano Real essa dívida alcançava perto de 33% do PIB, sendo seu crescimento também sintomático dos "ajustes fiscais" que se fizeram desde então.

O reajuste do mínimo tem um apelo político muito forte, pois, em particular, alcança cerca de 17 milhões de beneficiários do INSS que recebem esse salário. É senso comum que seu valor maior favorece os trabalhadores, aposentados e pensionistas que o recebem, contribuindo, assim, para o alívio da pobreza.

Poucos percebem, entretanto, os aspectos negativos desse aumento, entre eles o de elevar o custo da contratação de trabalhadores ativos e contribuir para a ampliação do mercado informal de trabalho, quando não para o desemprego, em função da redução das oportunidades de trabalho. Na esfera do governo, é um dos ingredientes do aumento da carga tributária que, concentrada em impostos indiretos sobre o consumo, atinge com maior peso relativo os segmentos mais pobres da sociedade. Noutro efeito, reduz os recursos disponíveis para investimentos públicos, como em infra-estrutura, indispensáveis para o crescimento da economia e para a geração de empregos. Destaque-se também que no INSS é um benefício dirigido a eleitores e aos mais idosos, e que o déficit resultante é coberto com recursos que alternativamente poderiam servir ao aprimoramento do ensino público, em benefício de crianças pobres, recursos esses, entretanto, que o governo não amplia com o mesmo empenho.

Assim, o que deveria haver é um equilíbrio entre o anseio de aumentar o mínimo e o de atender a outras necessidades também relevantes. Mas o que se percebe é um grave desequilíbrio em favor do mínimo, em particular neste ano eleitoral, quando teve um dos maiores aumentos de sua história, de 16,6%, para uma inflação inferior a 5% no período desde o reajuste do ano passado.

A dimensão política do mínimo também ficou muito clara na votação que a Câmara dos Deputados realizou no dia 7 deste mês, quando, com votos da oposição e de outros interessados, aprovou idêntico reajuste para os demais aposentados e pensionistas do INSS, o que significaria um gasto adicional estimado em R$ 7 bilhões em 2006. O objetivo foi o de "faturar" politicamente com o aumento ou causar desgaste ao governo se a medida também passar pelo Senado e o presidente Lula vetá-la.

Aliás, antes da decisão da Câmara, numa reunião com os líderes da base aliada ele sinalizou nessa direção, afirmando: "Nosso sistema fiscal não permite brincadeiras, e eu não vou brincar." Ora, deveria ter acrescentado: "... mais com essa questão, neste ano" - pois desde o início do seu mandato brinca com ela, divertindo-se particularmente em 2006, ao aprovar um reajuste eleitoreiro para o qual o governo novamente não tinha dinheiro.

Sem um reajuste dessa magnitude a dívida pública seria menor, ou seriam maiores os recursos para investimentos de que o País tanto carece, ou, ainda, para a educação de crianças igualmente pobres e carentes de atenção. Ou, pior, até mais pobres e carentes, pois ainda sem condições de perceber o valor da educação para o seu futuro, e sem títulos eleitorais para atrair o interesse de políticos que estão no poder tendo como seu maior interesse a sua perpetuação nele.

Assim, essa questão do salário mínimo não é apenas um desastre fiscal de grandes dimensões, mas tem outros desdobramentos também muito graves, pois o desequilíbrio e a irresponsabilidade com que é tratada atingiu um ponto em que já compromete o desenvolvimento econômico e social do País.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda