Título: Pão de Açúcar briga por preço baixo
Autor: Sonia Racy e Vera Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2006, Economia & Negócios, p. B4

Para Diniz e Casseb, processo tem de ser consistente mas suave: mudança de imagem leva tempo

Um boneco do Tio Patinhas, que fica na mesa do diretor mais empenhado em cortar despesas no mês, dá a medida da nova fase vivida pela maior rede de varejo do País, o Pão de Açúcar, com 556 lojas e faturamento de R$ 16,1 bilhões em 2005. O grupo, desde o meio do ano passado, mergulhado num processo rigoroso de corte de custos e de reestruturação comercial, enfrenta um novo desafio: baixar preços para aumentar vendas e mudar a imagem de supermercado caro.

O presidente do Conselho do Grupo Pão de Açúcar, Abilio Diniz, e o presidente da companhia, Cássio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil (em sua primeira entrevista) e há cinco meses no cargo, explicam, nesta entrevista ao Estado, o processo de mudança.

O processo não será rápido, para a rede que tem o estigma de cara. "É claro que isso leva tempo para acontecer. Por mais que você pratique preços baixos, o que importa não é o fato, e sim a versão", diz Abilio, avaliando que o grupo não teria sucesso se quisesse colocar à força na cabeça do consumidor que o preço baixou.

No entanto, Diniz garante que os primeiros sinais de que o grupo está indo pelo caminho certo começam a aparecer. "Talvez estivéssemos um pouco acomodados. No ano passado resolvemos dar uma chacoalhada", conta. Como? Casseb explica que o processo inclui clima de brincadeira mesmo diante da necessidade de cortar custos. "Trouxemos para cá o boneco do Tio Patinhas e um retrato do meu avô turco, Jorge. Quem corta mais fica com o Tio Patinhas em cima da mesa e quem corta menos, mica com o retrato do meu avô, que vem assombrar."

Além de 1.459 demissões no primeiro trimestre, o que deixou o grupo com 61.344 funcionários, a reestruturação também inclui novas relações com fornecedores no âmbito do desafio de melhores custos. Sem revelar o total do corte efetuado, Diniz e Casseb deixam escapar que já repassaram ganhos para os preços de vendas nos últimos três meses.

Mesmo nesse cenário de contenção - os jornalistas tiveram direito a um só café durante as duas horas de conversa - Diniz não descarta a possibilidade de aquisições e confirma que está de olho no Atacadão, bem como nos seus maiores concorrentes, o Wal-Mart e o Carrefour.

E o relacionamento de Casseb com Diniz? "Não estamos aqui para competir por espaço, poder ou prestígio. Estamos muito satisfeitos com o que tivemos na vida. Portanto, o desafio é intelectual e para se divertir."A seguir trechos da entrevista.

Dá para avaliar o desempenho do PIB este ano pelo comércio varejista?

Diniz - Claro que, quando o País cresce, o consumo cresce. Mas podemos separar dois tipos de consumo: o de crédito, que é o de bens duráveis, e o nosso, de alimentação, de artigos mais leves, até de vestuário. Esse último depende de renda e não do crescimento do País. Você só consegue aumentar o consumo da alimentação se a renda cresce. O País pode crescer, mas, se a renda não crescer, não existe aumento. É preciso dar força ao setor produtivo. É a única maneira do País crescer no consumo da alimentação.

O que se comenta é que a renda cresceu muito nas classes C e D, mas a classe média não está bem. Esse fato é perceptível nas vendas?

Diniz - Notamos maior força das classes C e D. Só que no nosso caso isso está sendo contrabalançado pela perda das classes mais altas, principalmente da média. Não estamos sentindo um grande aumento na venda de alimentos.

Casseb - O Pão de Açúcar, uma bandeira focada nas classes A e B, tem, neste momento, uma queda, enquanto o CompreBem, voltado para as C e D, e o Extra, para todas as classes, tiveram um equilíbrio de vendas. Mas, claramente, o primeiro quadrimestre do ano foi fraco, fraco para todo o varejo.

Já há um resultado do processo de reestruturação e corte de custos da companhia?

Diniz - Iniciamos esse processo no meio do ano passado, logo depois da saída de Augusto Cruz da presidência (do grupo). Nós precisávamos e precisamos baixar custos, vínhamos de inúmeras aquisições. Aquisições levam, automaticamente, a um aumento de custos, ao inchaço. Precisávamos diminuir o custo de compra de mercadorias, sabíamos que não tínhamos os melhores preços dos nossos fornecedores. E mais: estávamos tendo dificuldade de competir com os nossos concorrentes, principalmente os informais.

Os informais atrapalham muito?Diniz - Um trabalho feito pela (consultoria) McKinsey há pouco tempo concluiu que mais de 50% da distribuição de alimentos está no setor informal.

E o governo combate de forma eficiente essa informalidade?

Casseb - Talvez a melhor forma de ele combater seja conseguir acabar com a guerra fiscal do ICMS. Com a alíquota uniforme, a transparência é maior.

Mas, voltando à reestruturação, o que está sendo feito para ajustar custos?

Diniz - Iniciamos um processo para diminuir despesas, o orçamento base zero. Iniciamos este ano com um novo formato que coincidiu com a entrada do Cassio. Hoje temos um sistema de controle de custos muito bem organizado e já sentimos os melhores resultados nesta área.

Dá para quantificar a redução?

Diniz - Não gostaria de quantificar. Afinal, nossos concorrentes não fazem isso. Não dão informação, mas vivem à cata de informações da CBD. Também achamos cedo para revelar dados. Posso assegurar, no entanto, que os resultados começam a aparecer. Medimos muito a opinião do consumidor e ele começa a nos dar sinais de que está notando mudanças nos preços de todas as nossas bandeiras.

Mas o Pão de Açúcar ainda carrega a imagem do preço alto...

É claro que isso leva tempo para acontecer. Por mais que você pratique preços baixos, o que importa não é o fato, é a versão.

Há uma campanha publicitária acoplada a este projeto?

Diniz - Não se faz uma campanha para colocar na cabeça do consumidor, à força, que os preços baixaram. É preciso criar uma percepção com movimentos suaves para que o consumidor vá percebendo que os preços realmente baixaram. É claro que continuamos fazendo ofertas, que continuamos agressivos, mas nossa ação é menos pela oferta e mais pela percepção.

E quem não compra no Pão de Açúcar, como vai saber que os preços caíram?

Diniz - O movimento de baixa de preço tem que ser consistente. Se você fizer isto, o boca-a-boca funciona. Você pode atrair clientes com ofertas e obviamente, vamos sim, com todas as nossas bandeiras, para televisão, jornais, tablóide. Vamos anunciar. Mas o movimento de baixa de preço, baixa para valer, tem que ir se consolidando na cabeça do consumidor ao longo do tempo.

Vocês têm como avaliar esta percepção?

Casseb - Difícil. O consumidor chega atraído pela oferta, mas ofertas todos fazem. Quando ele vem e compra as outras coisas, pega uma percepção. O consumidor tem que perceber que a relação custo-benefício vale a pena. Isso não se faz do dia para a noite. Precisa ser feito de uma forma uniforme.

E o relacionamento com os fornecedores, o que mudou?

Diniz - Há algum tempo estamos tendo um relacionamento completamente diferente com os fornecedores para ter os melhores custos de aquisição de mercadorias. Há dois ou três meses iniciamos o repasse destes ganhos para o preço de venda. Estamos fazendo vários movimentos no sentido de baixar os preços de forma consistente, de muito mais competitividade. Começamos a sentir os primeiros sinais do que estamos fazendo.

Casseb - O lado dos fornecedores talvez seja o mais desafiante. Nós vamos aos fornecedores. Começamos a ir aos grandes, agora estamos nos médios e pequenos. Alguns vamos diretamente, em outros vai uma consultoria que contratamos. Ouvimos o que precisamos fazer para aumentar a competitividade, para criar uma relação de parceria. Precisamos construir uma relação menos baseada em imediatismo e mais em credibilidade.

Diniz - Relação de credibilidade com o fornecedor, de dar a ele mais segurança, de dar o menor preço e saber que com isso ele vai fazer o melhor negócio.

Não era assim? Porque o relacionamento era mais negativo?

Casseb - Foi muito embate de preço. Agora, o que se tenta fazer é um mix . É possível crescer junto por região. Por exemplo, você quer crescer no Nordeste e nós também; como fazer, então, para crescer junto? Vamos lá, identificar as novas oportunidades, para desenvolvermos um plano conjunto..

Diniz - As negociações são sempre duras e disso ninguém reclama, mas dentro de um clima de respeito e confiança.

O Pão de Açúcar está se reinventando para ganhar uma nova cara? Diniz - Sempre digo que eu quero ser hoje melhor do que fui ontem e amanhã melhor do que sou hoje. Isso vale para a companhia. Acho que a companhia não pode parar, precisa estar sempre em evolução. Nos anos 2001, 2002 e 2003 talvez estivéssemos um pouco acomodados. No ano passado resolvemos dar uma chacoalhada. E eu acho que o resultado vai ser muito bom.

Casseb - O que percebemos hoje é que as grandes bandeiras estão cada vez mais se fortalecendo nos seus posicionamentos específicos e o caminho é elas procurarem cada uma ser a melhor no seu segmento. Quer dizer, o Pão de Açúcar tem que ser o melhor em seu segmento, o Extra no segmento de hiper e o Comprebem, no popular.

A movimentação de concorrentes, como no caso do Wal-Mart, que comprou o Bompreço e o Sonae, e do Carrefour, que passa por uma reformulação, pesou?

Diniz - É claro. Isso é sempre bom porque estimula a gente a buscar mais eficiência. Mas, independentemente deles, estaríamos buscando eficiência, porque quem parar fica para trás.

A companhia vai investir em novos formatos de lojas? O Casino, sócio da companhia, tem supermercados de conveniência, soft discount..

Diniz - Estamos trabalhando muito nisso e é possível que a gente vá trazer algumas novidades para cá.

Casseb - Estamos olhando em vários países, bastante coisa para sentir o que é aquilo que dá resposta boa no País.

As novidades são para este ano?

Diniz - Não sei.

A área de não alimentos, que representa 24% no resultado das vendas, terá expansão acentuada?

Casseb - Chegar a 30% em quatro anos seria uma meta extremamente desafiadora.

Em fase de reestruturação, a opção do Pão de Açúcar seria mais pelo crescimento orgânico do que pela compra de outras empresas?

Diniz - Em princípio, sim. Até porque não há muita coisa para comprar, principalmente negócios que realmente nos interessem. Mas não estamos fechados a fazer, eventualmente, alguma aquisição.

E o Atacadão, que está à venda?

Casseb - Ninguém hoje pode deixar de avaliar o Atacadão, nós estamos avaliando, como todos os nossos concorrentes.

Nos cinco meses de convivência, como está a divisão de trabalho ?

Casseb - Temos uma agenda única, fazemos tudo juntos. Quando tem algo que ele não está a fim de fazer, eu faço. Quando tem algo que eu não quero fazer, ele faz. O segredo disso é que não existe divisão. A gente não está aqui competindo nem por espaço, nem por poder, nem por prestígio.Os dois estão muito satisfeitos com o que tiveram na vida. Estamos aqui por desafio intelectual e para se divertir. Então a vida está muito gostosa.

Diniz - Eu demorei seis meses para escolher a pessoa certa para vir para cá. Precisa ter muita convicção. De acordo com minha maneira de pensar, Deus me iluminou e eu escolhi a pessoa certa.

O avô turco do Casseb pesou?

Diniz - Existe uma palavra chave nesta história, que é o bom senso. Nos dois estamos aqui para fazer a empresa crescer, ser mais eficiente e sermos mais felizes. E estes cinco meses só reforçam o acerto da escolha.

O Pão de Açúcar vai ficar muito atraente como uma noiva para uma venda futura?

Diniz - Imagina, já fizemos nosso negócio com o Casino. Temos uma relação muito boa com eles e o manager é brasileiro. Se não tivesse feito esse negócio com o Casino, mas com o Wal-Mart, vocês acham que o manager seria brasileiro?

Casseb - Vou contar uma história. Estamos planejando as estratégias para 2007, reunimos o conselho do grupo para definir diretrizes. No fim do dia, brincamos e concluímos que, como estamos em fase de contenção de despesas, iríamos para a cozinha preparar o jantar. E foi o que aconteceu num ótimo clima.

Qual será a ênfase do próximo governo? Retomada do crescimento ou manutenção da estabilidade?

Casseb - A partir do momento que você tem seu primeiro inimigo mais domado, que é a inflação, começa a se perguntar qual é o próximo. O próximo , na minha opinião, é a distribuição de renda.

Diniz - É preciso dar força ao setor produtivo. É a única maneira do País crescer.