Título: Projeto tirou 10 mil famílias da coca
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2006, Internacional, p. A14,15

Parceria entre agência da ONU, governo e setor privado introduziu 30 produtos rentáveis para camponeses

Em todas as partes do mundo, substituição de cultivos ilícitos tem sido historicamente sinônimo de fracasso. Quando muito, os programas oficiais oferecem sementes, assistência técnica, insumos e crédito para os agricultores trocarem suas plantações de coca por lavouras tradicionais de milho, mandioca, etc. Quando dá tudo certo e conseguem vender, os camponeses recebem dez vez ou menos do que ganhariam com a coca - que tem preço e comprador garantidos.

O francês Thierry Rostan, do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), está mudando essa história. Responsável por relações com o setor privado e levantamento de fundos desde 1999, Rostan conduz uma parceria entre camponeses, governo colombiano, países doadores e setor privado que já fez 10 mil famílias colombianas trocarem a coca por produtos de valor agregado, com venda garantida nas redes de supermercado colombianas ou para exportação. Nesses sete anos, o programa consumiu US$ 10 milhões, doados basicamente por EUA e Itália, e com ajuda também da França, Dinamarca, Suécia, Áustria e Espanha.

Os dois diferenciais do programa dirigido por Rostan são esses: os camponeses não se dedicam só a produtos agrícolas primários, de baixo valor, mas com qualidade e beneficiamento, graças a usinas construídas com dinheiro do programa; e, quando se lançam na produção, já têm comprador certo. "O narcotraficante chega para o camponês e diz: 'Garanto a compra da sua coca, porque tenho mercado'", descreve o funcionário do UNODC, que ocupa um edifício de cinco pavimentos no bairro de classe alta de Chicó, em Bogotá - um dos 121 bens confiscados do narcotraficante Efraín Antonio Hernández, do Cartel de Cali, morto em 1996. "Usamos a mesma estratégia. É uma solução de mercado."

São cerca de 30 produtos, que vão de madeira e borracha a café gourmet, jóias feitas de coco e roupas interiores, passando por iogurte com frutas amazônicas e chocolate em barra, espalhados por 11 Departamentos (Estados) do país (ver mapa na página ao lado). Alguns deles, como o café gourmet e o palmito em conserva, são exportados para a Europa. A parceria começou com a rede francesa Carrefour, com a qual Rostan tinha mais proximidade. Hoje, as três maiores cadeias de supermercado colombianas também participam.

"Começamos a vender feijão a granel, depois em sacos para supermercados, depois em lata, com toucinho", conta o francês. "Hoje, estamos competindo com a marca nacional sem problemas." Inicialmente, ele negocia preços e condições de entrega com os supermercados. Com o tempo, os produtores se habituam e fecham os negócios diretamente. Os supermercados, que fazem marketing com o valor social da substituição de cultivos, oferecem condições especiais a esses camponeses. Os produtos são livres de impostos. No ano passado, as vendas somaram US$ 6 milhões. A meta, este ano, é que alcancem US$ 10 milhões.

Inquieto, Rostan urde planos maquiavélicos. "Você, como brasileiro, não vai gostar disso", brinca ele, tirando da prateleira uma sandália Havaianas, com as cores e bandeira do Brasil. "Vamos fazer uma sandália dessas, misturando borracha com frutas amazônicas, 70% sintética e 30% natural, com bandeira da Colômbia e um selo da paz." O slogan do marketing será algo do tipo: Caminhando para a paz.

A também francesa Michelin está assistindo na melhoria da qualidade da borracha. A suíça Nestlé investiu em tanques de armazenamento de leite, e recebe em produção. "Todos saem ganhando", entusiasma-se Rostan, cuja equipe tem apenas 12 integrantes. A mudança na vida dos camponeses, diz ele, é visível. O francês se lembra de um camponês no Sul de Bolívar que, quando conheceu, não tinha eletricidade nem água. Hoje gerente de produção de chocolate e feijão, anda de terno e os filhos estão na universidade.

Segundo Rostan, não há registro de represália dos narcotraficantes, da guerrilha e dos paramilitares, por eles financiados, contra os camponeses, ou de tentativa de forçá-los a voltar a plantar coca. A razão disso é que os arranjos produtivos envolvem associações de camponeses, não indivíduos. "Eles não têm coragem de ir contra uma comunidade inteira."