Título: Craques criticam uso da Copa como arma política
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2006, Nacional, p. A10

A eventual vitória do Brasil na Copa do Mundo não ajuda ninguém a ganhar eleição, afirmam craques que já passaram pela seleção brasileira. Eles conhecem bem o fenômeno dos enxames de políticos que sempre circundam os jogadores nas vitórias - ¿Sempre tentaram se aproveitar disso¿, relatou Pelé ao Estado - e contam por que não dá certo misturar futebol e eleição: o povo vibra com as vitórias, mas logo percebe que elas são efêmeras. ¿O uso do futebol pela política não se reverte em votos¿, assegura Tostão.

Raí dá uma razão sociológica para esse mecanismo: a alegria com as grandes conquistas é tão grande que parece mudar a face do País. ¿Mas a vibração com as conquistas começa a perder força, ao mesmo tempo em que o povo percebe que, na realidade, nada mudou, tudo continua como antes. Aí vem a decepção¿, observa. Ele, Tostão e Zico revelam que tiveram sentimentos parecidos: ficaram eufóricos com as conquistas de que participaram, mas depois perceberam que suas proezas não tiveram a força de mudar a triste realidade do Brasil. Uma coincidência perpétua de calendários estimula a mistura de futebol com política - as Copas do Mundo sempre ocorrem quatro meses antes das eleições gerais. Essa proximidade facilita episódios como o duelo verbal de anteontem, entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Ronaldo Fenômeno. Mas nas cinco vezes em que o Brasil foi campeão mundial, o primeiro compromisso da seleção, na volta ao País, foi visitar o presidente da República.

Foi assim em 1958, com Juscelino Kubitschek; em 1962, com João Goulart; em 1970, com o general Garrastazu Médici; em 1994, com Itamar Franco; e em 2002, com Fernando Henrique Cardoso. É assim, também, em outros níveis. ¿Aqui na Câmara, não pode aparecer um jogador. Todo deputado quer capitalizar¿, diz Deley, ex-volante do Fluminense, primeiro futebolista profissional a se eleger deputado federal.

¿As mazelas do futebol são as mesmas mazelas da política¿, constata Raí. Zico concorda: ¿O que acontece no futebol é um reflexo da sociedade. Se temos desigualdades na sociedade, elas certamente se repetem no futebol. E, se há corrupção na sociedade e na política, como imaginar que não houvesse no futebol?¿ Tostão confessa que em 1970 se sentiu muito desconfortável com a manipulação política da seleção tricampeã mundial pelo regime militar: ¿Eu era contra a ditadura, achava aquilo tudo um horror.¿

Afonsinho, volante que pontificou no Botafogo carioca, afirma que a apropriação das conquistas do esporte foi mais clara à época do regime militar. Mas ele lembra que os antigos países comunistas usavam o esporte para promover seus regimes; e, com tristeza, constata que, embora usados pelos políticos, os atletas nunca conseguiram aprender a praticar política para defender seus direitos.

Ele mesmo tentou se eleger deputado federal pelo PSB, sem êxito. Ainda hoje, apesar do arrebatamento que o futebol exerce sobre a população, o Senado não tem nenhum ex-jogador entre seus membros e, dos 513 deputados, há apenas o ex-futebolista Deley. Zico diz não achar ruim que dirigentes de futebol se candidatem: ¿Muitos são legítimos representantes do povo e podem trabalhar bem. Mas é claro que há oportunistas que se aproveitam da notoriedade proporcionada pelo futebol para levar vantagem.¿

Zico diz que, quando se sente usado, recorre a mecanismos para escapar. Relata que, ao ocupar o cargo de secretário nacional de Esportes, sentiu, em determinado momento, que não poderia mais contribuir: ¿Vi que havia coisas erradas e me retirei. Sou assim até hoje¿, comenta. Raí garante que sabe se defender dessas situações: ¿Pessoalmente, nunca me senti manipulado.¿

Mas outros não escapam. Pepe, que fazia ala com Pelé no Santos, lembra que as constantes viagens do time atraíam, em todos os lugares, caravanas de políticos, quase sempre levados por dirigentes dos clubes locais ou jornalistas amigos. No início da carreira, Pelé dividia o quarto de hotel com Dalmo, lateral-esquerdo à época, mas depois da fama passou a ficar sozinho nas suítes presidenciais, onde recebia os políticos ávidos por uma foto a seu lado para exibir na campanha eleitoral.