Título: 'Irregularidades do governo Lula serão investigadas, e elas não são poucas'
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2006, Nacional, p. A4

O pré-candidato Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que, se for eleito, vai mandar investigar o governo Lula - e, segundo ele, ¿não são poucas¿ as irregularidades a serem examinadas. ¿São ministérios diferentes, estatais diferentes, amigos diferentes, dá para encher um caderno de irregularidades¿, disse ele, em entrevista exclusiva ao Estado. Alckmin acusou Lula de se submeter ao presidente venezuelano Hugo Chávez e afirmou que, em seu eventual governo, Chávez ¿não vai se meter em assuntos do Brasil¿.

Num tom duas oitavas acima de seu habitual diapasão ameno, o candidato tucano acusou o governo Lula de armar ¿uma bomba fiscal¿, ao aumentar os gastos correntes, numa prática que rotulou de ¿populismo fiscal¿. Segundo ele, isso vai criar um cenário delicado para o Brasil em 2007. Também considerou muito preocupante o ¿desmonte da agricultura brasileira¿ e reiterou: ¿Nós estamos exportando empregos.¿

Alckmin disse que, se eleito, sua primeira medida será a reforma política, com a adoção da fidelidade partidária - quem deixar o partido pelo qual foi eleito não poderá se candidatar nas eleições seguintes. E a segunda será uma reforma tributária para unificar as legislações estaduais do ICMS, que têm provocado uma guerra sem fim entre os Estados. Ele prometeu criar uma cesta de remédios para cobrir gratuitamente grande parte das doenças da população.

O programa de governo, garante ele, vai ter um plano de metas, com especificação das obras que serão feitas ao longo de seu eventual mandato. Ele promete prioridade para as áreas de infra-estrutura, saúde e educação, com uma obsessão - fazer o País crescer. Eis a entrevista:

Seus aliados e simpatizantes se queixam de que na campanha o senhor usa luvas de pelica... Não uso luvas de pelica. Tenho agido com absoluta firmeza e contundência. Campanha não se faz com gritaria. Eu disputei nove eleições, ganhei oito. Minha campanha nem começou, estamos ainda numa fase preparatória. A campanha começa mesmo no dia 5 de julho.

Mas o senhor não disse nada quando o presidente Hugo Chávez pediu, no Paraná, mais invasões de terras. No Peru, Alan García se elegeu repudiando as interferências de Chávez. Por que o senhor opta sempre pelo caminho mais suave? Eu respondo ao que sou indagado. Na crise do gás com a Bolívia, eu declarei que o presidente Lula foi dúbio e submisso; pôs à frente do interesse nacional seu interesse ideológico e político. A expropriação dos ativos da Petrobrás na Bolívia é uma barbárie, é ruim para toda a América Latina, porque cria insegurança política. Espantar investimentos e rasgar contratos não é uma forma de diminuir a pobreza. E o pior: quem vai pagar a conta é o povo brasileiro. É óbvio que eles querem é aumentar o preço do gás. No caso do presidente Chávez, a crítica vale para o Lula, porque na verdade Chávez decretou que era chefe de Lula e Lula aceitou.

Como será sua relação com Chávez? No meu governo ele não vai se meter em assuntos do Brasil. Temos de respeitar os países vizinhos e suas políticas internas, mas o Brasil vai se pautar pelo interesse nacional, e não por questões ideológicas e políticas. Não vai se submeter a interesses menores, como no caso da Bolívia.

Se eleito, o senhor vai mandar investigar o governo Lula? Claro. Nós temos o dever de investigar todas as irregularidades e elas não são poucas. São ministérios diferentes, estatais diferentes, amigos diferentes, malversação de diversos níveis. Dá para encher um caderno de irregularidades. É óbvio que elas serão investigadas, esse é um princípio da República. Nós andamos para trás dos pontos de vista ético e da gestão: o aparelhamento do Estado, a criação de muitos ministérios, loteamento de cargos públicos. Mas o que mais chama a atenção é a questão ética. A filosofia deles é que os fins justificam os meios. Eles são abusados, não têm limite. E a seqüência dos atos acaba passando à sociedade um sentimento de impunidade. Não pode. O primeiro mandatário do País tem de dar exemplo.

Se eleito, qual será sua primeira medida? Eu pretendo enviar ao Congresso em janeiro a reforma política, e não abro mão de um item, que é a fidelidade partidária. Quem sair de seu partido não poderá concorrer nas eleições seguintes.

E a segunda? Uma reforma tributária, iniciando pela unificação das leis do ICMS. Hoje existem 27 leis estaduais diferentes e 55 alíquotas. Nossa idéia é ter cinco faixas e, num segundo momento, partir para o IVA (Imposto de Valor Agregado), unificando ICMS, ISS, IPI e uma série de tributos.

O que o senhor mudaria nas políticas cambial e fiscal? As políticas fiscal, cambial e monetária são um tripé que interage. Na política fiscal, o governo Lula errou. O Brasil aumentou gastos, aumentou impostos e diminuiu investimentos. Essa é a fórmula para não crescer. Esse modelo se esgotou. Não dá mais para aumentar impostos e nós estamos sem capacidade de investimento. A questão fiscal é central e dela decorrem as demais questões. O País está com uma bola de ferro travando a economia. Eu vou cortar gastos, impostos e juros para o Brasil crescer. Mas quero alertar: o governo Lula está deixando uma bomba fiscal, está fazendo populismo fiscal, aumentando o gasto corrente e vai criar um cenário pior para o País.

E o câmbio? Eu colocaria a questão monetária antes da cambial. Como a política fiscal foi ruim, a política monetária teve de ser muito dura. Nos últimos anos, com a maior liquidez das últimas décadas, sobrando dinheiro no mundo, o governo do PT praticou taxas de juros absurdas. É o ¿custo PT¿. O povo paga pelo ¿custo PT¿. Eles falaram uma coisa 25 anos, foram para o governo e fizeram outra. Então a dose precisou ser muito mais alta para chegar a resultados menores. E foi a taxa de juros muito alta, acima do razoável, que sobrevalorizou duplamente o real: de um lado, pela entrada excessiva de dólares, atraídos pela taxa de juros; de outro, porque a taxa alta inibiu o crescimento. Como o Brasil cresceu pouco no ano passado, importou menos e o saldo da balança comercial foi alto. Aí a entrada de dólares fechou o círculo vicioso, sobrevalorizando o real. Com uma política fiscal melhor, poderemos ter taxas de juros menores.

Por que 2007 pode ser ruim? O real muito sobrevalorizado já está trazendo problemas para o setor produtivo, desestruturando áreas importantes da produção. A agricultura está vivendo a maior crise dos últimos 40 anos, a indústria - do sapato, da roupa, do brinquedo, do móvel - está indo embora. Com o dólar barato, o rico toma vinho e come queijo importados mais baratos, mas o pobre perde o emprego. Nós estamos exportando empregos. E o cenário para 2007 é preocupante: esse desmonte da agricultura brasileira, a melhor dos trópicos, vai reduzir a área plantada, vai levar a menor produtividade e vai ter efeito estilingue. O País que mais cresceu no mundo nos primeiros 80 anos do século passado, agora, num céu de brigadeiro, ficou no fim da fila. Alguma coisa está errada, não?

Lula criticou a educação em São Paulo. O que o senhor diz da educação de Lula? Os países onde a educação avançou - Espanha, Irlanda, Coréia - priorizaram a educação básica. O governo Fernando Henrique deu um grande passo com o Fundef, que aliás teve voto contrário do PT, para universalizar o ensino fundamental. Agora precisamos dar mais qualidade ao ensino básico. Pretendo ajudar os municípios a dar curso universitário a todos os seus professores. O governo paga para o professor estudar e quem vai ganhar é o aluno. Na medida do possível, temos de aumentar as horas-aula. Quero a universalização do ensino médio, todo mundo com diploma, pelo menos, de ensino médio. Por fim, vou dar ênfase ao ensino técnico e tecnológico.

Em São Paulo a mortalidade infantil caiu de 14,3 por mil para 13,5 por mil entre 2004 e 2005. É número de primeiro mundo. Como conseguir índices como este no Brasil? A prioridade absoluta na saúde é saneamento básico, água tratada e esgoto sanitário. A maior parte das doenças é contraída pela água contaminada. É triste ver que o governo Lula gastou mais em viagens do que em saneamento básico. Nós vamos mudar isso. A prevenção é importante, com ênfase na educação para a saúde: vamos falar mais de saúde e menos de doença. Hoje se morre muito de acidentes, coração e câncer. Acidente de trânsito se resolve com melhoria das estradas assassinas que nós temos hoje. Arma de fogo é um problema de segurança. Câncer exige mais cuidados com prevenção. Se todos os postos de saúde tiverem meios para medir pressão arterial e glicemia, detectar rapidamente hipertensão arterial e diabetes, vamos reduzir a mortalidade por doenças do coração e não vai custar tanto. Outra questão importante é o remédio. O governo federal retrocedeu na área das farmácias populares - vende remédios. Remédio, para quem precisa, tem de ser de graça. Meu governo vai avançar e criar uma cesta de remédios capaz de cobrir grande parte das doenças de forma gratuita.

Como o senhor vai tratar o MST? Reforma agrária não é jogar a pessoa na terra. Tem de assentar, dar infra-estrutura, apoio técnico. Mas o governo Lula não fez reforma agrária. Quando ele assumiu, eram 60 mil famílias acampadas; hoje são 260 mil. Nós vamos fazer reforma agrária sem invasão. Invadiu, vai desinvadir. Invadir propriedade alheia é crime. O que falta hoje no Brasil é autoridade. Chamar essa escalada de vandalismo de movimento social é um desrespeito aos verdadeiros movimentos sociais. Esses vândalos são movimentos instrumentalizados, a serviço de determinadas políticas e partidos. Eles precisam ser tratados com o rigor da lei.

Se o Brasil for campeão mundial de futebol favorece a eleição de Lula? O senhor vai torcer pelo Brasil? Todos nós estaremos torcendo, vibrando, confiantes na vitória do Brasil, de camisa amarela e calção azul, mesmas cores, aliás, do PSDB.