Título: O fim da Varig
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2006, Notas e Informações, p. A3

A Varig, que já foi a maior empresa aérea do País, está em seus estertores. Nos últimos dias, quase nada restava do padrão de qualidade que durante sete décadas tornou a empresa conhecida em todo o mundo. Vôos atrasados e cancelados, aviões parados por falta de manutenção e combustível, dívidas que provavelmente nunca serão saldadas - esse foi o resultado de um longo período de má administração, agravado por um sistema de controle acionário, em mãos da Fundação Ruben Berta, que inviabilizou todas as tentativas de recuperação da empresa.

Não faltaram esforços para tentar salvar a empresa. A homologação da venda da Varig à NV Participações, constituída pela associação Trabalhadores do Grupo Varig (TGV), por exemplo, só se entende quando se conhece a opinião do juiz Luiz Roberto Ayoub sobre a empresa. Para o magistrado que conduz o processo de recuperação judicial, a Varig é uma "empresa maravilhosa" e "eu não trabalho com a hipótese de quebra dessa empresa". Para evitar a decretação da falência da empresa - que tem dívidas reconhecidas no valor de R$ 7,9 bilhões e podem chegar a R$ 10 bilhões, vem tendo seguidos déficits operacionais de vulto e não gera recursos para pagar despesas básicas - como o arrendamento dos aviões, combustível e tarifas aeroportuárias - e está reduzindo suas operações no País e no Exterior por absoluta falta de condições operacionais -, o juiz da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro esticou a nova Lei de Falências ao extremo. Não só fez o leilão da empresa uma semana após a publicação do edital - quando a lei fixa um prazo mínimo de 30 dias -, como aceitou as condições inaceitáveis do único grupo que se aventurou a arrematar a Varig. Antes, para evitar que os aviões ficassem no chão - o que acabou acontecendo, de uma maneira ou de outra -, obrigou a BR Distribuidora a fornecer combustível à Varig a prazo, apesar do calote continuado.

As condições da compra finalmente homologadas pelo juiz Ayoub são mirabolantes. A oferta mínima fora fixada, no edital, em US$ 860 milhões. A TGV ofereceu US$ 449 milhões, ou R$ 1,010 bilhão, sendo que R$ 285 milhões em dinheiro vivo - que ninguém viu -, R$ 225 milhões em créditos trabalhistas e R$ 500 milhões em debêntures e a serem emitidas em 20 anos. Ou seja, os atuais credores da empresa - que deveriam receber, como amortização do débito, o produto da venda da Varig - receberiam promessas e papéis impressos. E, isso, se a Justiça do Trabalho permitisse a transferência dos créditos trabalhistas e se a Comissão de Valores Mobiliários autorizasse a emissão de debêntures sem cobertura.

A TGV deverá, também, depositar, até amanhã, US$ 75 milhões para cobrir as despesas mais prementes da Varig, como o arrendamento de aeronaves, combustíveis e taxas aeroportuárias. Durante os 11 dias entre o leilão e a sua homologação, a TGV prometeu apresentar sócios financeiros, que nunca apareceram, que honrariam os compromissos imediatos da Varig. Na véspera da homologação, o juiz Ayoub declarou-se satisfeito com o plano de negócios da TGV - mas os sócios não apareceram e a associação voltou, no dia seguinte, a pedir financiamentos ao BNDES, que já os recusara por falta de garantias.

É interessante notar que os supostos sócios financeiros da TGV sempre foram apresentados como importantes grupos financeiros internacionais. Nem por um instante, no entanto, houve a preocupação em se saber se a participação desses grupos ultrapassaria os 20% do capital da nova Varig em mãos de estrangeiros - limite imposto pela lei brasileira para as empresas aéreas.

Fala-se agora que a homologação da proposta da TGV pelo juiz Ayoub foi um expediente para forçar uma solução de mercado e evitar que o caso se arrastasse indefinidamente nos tribunais. Pode ser. O fato é que o mercado não levou a sério a proposta apresentada pela TGV, os passageiros deixaram de procurar a Varig e as empresas de arrendamento de aviões, a Infraero e a BR Distribuidora - cansadas de esperar por pagamentos que não eram honrados - decidiram recuperar suas aeronaves e somente fornecer combustível e serviços à vista. Sem contar com capital de giro e sem poder gerar receita operacional, a Varig morre de inanição, fechando melancolicamente uma era da aviação comercial brasileira.