Título: De uma CPI para outra
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Quando, em começos de 2004, o Planalto fez o que sabia e o que não sabia para impedir o funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos, criada na esteira do escândalo envolvendo Waldomiro Diniz, braço direito e amigo do peito do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, certamente tinha motivos para antever o pior, caso a investigação fosse desencadeada. Era real e presente o risco de ela ir muito além do fato específico que lhe deu origem - o flagrante da extorsão de um empresário da batota, o desde então famoso Carlinhos Cachoeira.

De fio em fio, pela própria lógica das coisas, a CPI se veria diante de um emaranhado de práticas corruptas mais antigas, mais amplas e mais diversificadas, cujas sementes o Partido dos Trabalhadores plantou nos municípios que passou a governar, a exemplo de São José dos Campos, Santo André e Ribeirão Preto, e cujas manifestações federais - no sentido literal e metafórico do adjetivo - estavam à época em pleno curso, como se viria a saber graças à denúncia do mensalão.

É ocioso especular sobre o que teria acontecido com o governo - e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - se o seu providencial aliado, o senador José Sarney, não fizesse valer os poderes de titular da Casa para barrar a instalação do inquérito parlamentar pedido pela oposição e sabotado pelos petistas (que se recusaram a indicar os seus representantes no colegiado). Uma coisa é certa, porém: ela já então faria jus ao apelido de CPI do Fim do Mundo que viria a ter quando afinal pôde se constituir, por decisão do Supremo Tribunal Federal, há um ano.

Agora, são os governistas que se preparam para recorrer ao Supremo a fim de invalidar o relatório final da comissão, aprovado na terça-feira por 12 votos a 2. O relatório pede o indiciamento de 4 empresas e 79 pessoas, entre elas o ex-ministro Antonio Palocci, o presidente do Sebrae Paulo Okamotto e o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso. Alega o PT que a Comissão Parlamentar de Inquérito transbordou do fato determinado - os crimes no mundo dos bingos - para investigar crimes em outras esferas.

Mas, como ficou patente, o inquérito extrapolou do seu alvo original pela simples razão de se tratarem de crimes conexos, entre si, e com o da tavolagem. Também a CPI dos Correios foi naturalmente levada a apurar delitos não circunscritos à corrupção na estatal.

O texto assinado pelo senador peemedebista Garibaldi Alves é uma conta de chegar - para garantir que fosse votado, o relator deixou de pedir o indiciamento do ex-ministro Dirceu e do chefe de gabinete e secretário do presidente da República, Gilberto Carvalho, citado 50 vezes no documento. O governo claramente entregou os anéis (Palocci e os demais citados) para salvar os dedos - o homem de absoluta confiança de Lula, ou seja, o próprio Lula.

De todo modo, os podres do PT, comprovados ou alegados, estão caracterizados na peça: da máfia do lixo em Ribeirão Preto às doações ilegais da jogatina à campanha de Lula, do assassínio do prefeito Celso Daniel aos dólares de Cuba - além, é claro, das traficâncias do apadrinhado de Dirceu na Loterj.

O mundo, escreveu T. S. Elliot, não acaba com um estrondo, mas com um murmúrio. A CPI dos Bingos não acabou com o mundo do petismo, nem perfurou a armadura em que se enfiou o presidente, mas fez mais que murmurar. O seu desfecho expõe um dos vários limites à atuação desses organismos. Logo se conhecerão os da CPI dos Sanguessugas, sobre compras fraudadas de ambulâncias, que começa na próxima semana. Pelo menos 15 parlamentares (o número certo deve ser muito maior) são suspeitos de participar do esquema. Um deles é o senador Ney Suassuna que, por liderar a bancada peemedebista na Casa, tem a prerrogativa de indicar quais dos seus pares terão assento na CPI.

Assim corre a vida no Congresso, mal dando ao público tempo de respirar entre uma denúncia e outra. A mais recente atinge a agressiva inimiga da comissão dos Bingos, a líder petista no Senado Ideli Salvatti.