Título: Cartão amarelo para o candidato
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Respondendo a uma consulta formulada por um parlamentar amazonense sobre a validade dos reajustes salariais do funcionalismo público concedidos em anos eleitorais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tomou uma decisão que poderá ter enorme impacto na campanha de reeleição do presidente Lula. Por 6 votos contra 1, a corte reafirmou que os aumentos de servidores que excederem "a recomposição da perda de seu poder aquisitivo" são expressamente proibidos pela Lei 9.504/97 no período entre os seis meses anteriores à data do pleito e a posse dos eleitos.

Assim, segundo os ministros, os aumentos que excederem os índices inflacionários, concedidos após 1º de abril, não têm validade legal. É esse o caso da Medida Provisória 295 que Lula assinou no dia 30 de maio, reestruturando e concedendo gratificações para sete carreiras do funcionalismo, beneficiando cerca de 160 mil servidores, com um impacto de R$ 1,3 bilhão por ano no Orçamento Geral da União. A decisão foi tomada no momento em que várias outras categorias reivindicam a implementação de planos de carreira e salários. Três delas - os auditores da Receita, os delegados, agentes, peritos e escrivães da Polícia Federal e os serventuários da Justiça do Trabalho, da Justiça Federal, da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar - estão em greve, exigindo aumentos entre 30% e 57%.

"Interpreto a legislação em vigor de modo a evitar distorções, desvirtuamento a partir da utilização da coisa pública e visando objeto individualizado: a obtenção da simpatia de grande parcela de eleitores formada pelos servidores públicos", afirmou o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio de Mello. Segundo ele, a concessão desses aumentos em plena campanha eleitoral, por configurar "vantagem sedutora" aos servidores públicos, "afeta a igualdade de oportunidades", desequilibrando a disputa eleitoral.

"É sabido que os governos em geral não respeitam sequer a reposição do poder aquisitivo da moeda prevista na Constituição. Não obstante, em época de busca desenfreada de votos, tudo é possível e então pode ocorrer até o lapso quanto à prática verificada nos últimos tempos de conferir-se tratamento aos servidores públicos como se fossem os culpados pelas mazelas do Brasil, os bodes expiatórios. A bondade passa a ser uma constante. Esse dado não pode ser desconhecido", concluiu.

A anulação dos reajustes superiores à inflação já concedidos é só um dos efeitos da decisão. O outro diz respeito às sanções previstas para quem descumprir as proibições da legislação eleitoral. Além de configurar a concessão dos reajustes como "ato de improbidade administrativa", o artigo 73 da Lei 9.504 prevê multas que vão de 5 a 100 mil Ufirs, a suspensão imediata do benefício concedido e o cancelamento do registro da candidatura beneficiada.

É por isso que a decisão do TSE pode ter enorme impacto na campanha presidencial. Ao votar, os ministros da corte sabiam que os reajustes salariais já concedidos pelo presidente Lula, por meio de várias medidas provisórias assinadas depois de 1º de abril, estavam acima dos índices inflacionários. E, ao conversar informalmente com jornalistas após o término da sessão, o ministro Marco Aurélio de Mello explicou em detalhes o alcance das sanções previstas pela Lei 9.504. Ele não mencionou o nome de Lula, como informa o site do TSE. Mas deixou claro que a candidatura do presidente à reeleição estará em risco, caso se confirme que as gratificações e reajustes concedidos pela MP 295 e outras MPs ultrapassaram os níveis da recomposição do poder aquisitivo dos servidores beneficiados.

Caso Lula tenha sua candidatura impugnada pela oposição, por abuso de poder, ele poderá impetrar um recurso na própria corte ou, então, apelar para o Supremo Tribunal Federal (STF). Independentemente da decisão que vier a ser tomada pela Justiça nesse caso, o fato é que o Tribunal Superior Eleitoral finalmente mostrou ao presidente da República que há limites para as medidas acintosamente eleiçoeiras que vem tomando nos últimos meses.

Se até agora Lula vinha conseguindo contornar a legislação eleitoral recorrendo às mais variadas artimanhas, usando abertamente o cargo para fazer campanha, com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral as coisas mudam. Recorrendo à linguagem futebolística que lhe é tão cara, desta vez o juiz mostrou-lhe o cartão amarelo.