Título: Negócio fechado
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2006, Nacional, p. A8

Em recente reunião de intelectuais, a filósofa Marilena Chauí delimitou a fronteira de seu apoio a Luiz Inácio da Silva, em caso de reeleição:

"Vamos (o PT) fazer um programa, o governo vai governar de acordo com ele. Senão é tchau e bênção."

Cumpre informar à professora e aos demais petistas que com ela compartilham o desejo e a crença de que um eventual segundo mandato terá a preponderância física e programática do PT que Lula já prometeu ao PMDB dividir o governo "meio a meio". Entenda-se, metade para o PMDB, metade para o restante da chamada base, aí incluído o PT, cuja porção será bem menor que a dos novos parceiros, estes sim preponderantes.

As negociações caminham adiantadas e em termos claros. O dividido PMDB se compromete a marchar majoritariamente agora com a candidatura Lula e, se for o caso, nos próximos 4 anos aderir por inteiro ao governo, em troca de metade dos 33 ministérios - com direito à ocupação por inteiro e escolha de pastas importantes - e assento no Planalto, o que significa participação no chamado núcleo de poder.

O acerto incluiu rigorosamente todas as alas do PMDB, inclusive as anteriormente mais oposicionistas, ficando de fora apenas o grupo de Anthony Garotinho, cuja saída do partido é dada como certa.

Bem, e se Geraldo Alckmin, porventura vier a ganhar as eleições? Pasme o leitor, a ala conhecida como "tucana" não se constrange, admite que ficará muito feliz e estará pronta para reivindicar uma parte dos cargos federais em troca de garantia à "governabilidade". A outra ala, evidentemente, ensaiará passos oposicionistas, demorará mais um pouco, mas tampouco resistirá aos apelos, se houver.

Só que esse cenário de vitória tucana não é levado em conta, é tratado hoje como hipótese quase impossível e, por isso, os entendimentos seguem no sentido do "governo de coalizão", nome solene pelo qual fica combinado que será conhecida a aliança em tudo e por tudo muito parecida com aquela firmada no governo José Sarney, cuja base de sustentação (e fonte de pressão) era também o PMDB e que consolidou o modo "é dando que se recebe" de governar.

Os negociadores pemedebistas têm usado com o presidente Lula o argumento de que ele não pode privilegiar apenas um grupo, como foi feito de 2003 para cá. Segundo eles, se não contemplar todas as alas acabará tendo um "ministério de guerra". Ao distribuir os espaços de forma equânime, o PMDB está prometendo paz por todo o período.

Esse governo de cabeça (em termos) petista e corpo pemedebista permitiria a Lula dispensar aliança com os partidos que compuseram a base mensaleira do primeiro mandato, pois a expectativa é a de que o PMDB faça a maior bancada na Câmara e que uma parte daquelas legendas menores fique interditada pela cláusula de barreira.

Oficialmente, é evidente, as coisas não são postas na base do troca-troca, a fim de disfarçar o inequívoco caráter fisiológico do acordo.

Para todos os efeitos, trata-se de uma aliança "programática", na versão do governo e de uma "coalizão de forças", no dizer do PMDB. A respeito, o presidente do partido, Michel Temer, fornece, em reportagem da jornalista Vera Rosa publicada domingo pelo Estado, uma definição precisa: "Não se trata de entregar uns carguinhos. O vencedor da disputa entrega setores do governo para um determinado partido, que tem a prerrogativa de fazer as indicações."

De fato, não são carguinhos, são cargões. Em troca dos quais o PMDB segue em sua trajetória de legenda à disposição do poderoso de ocasião.

Haverá, entretanto, um preço, devidamente estabelecido pelo ministro Tarso Genro na mesma reportagem. Diz ele, a título de explicação sobre as regras de funcionamento da nova divisão de poder: "A crise, quando houver, será do partido e do ministro, não do presidente nem do governo."

Quer dizer, identificação programática tem limite e este não inclui a adversidade, cujas faturas serão pagas em separado.

Baixo calão

O presidente Lula tem impressionado as visitas, principalmente as de primeira viagem, pelo palavreado desprovido de cerimônia. A, digamos assim, informalidade não é fruto de irritação momentânea até onde podem notar os interlocutores. É hábito mesmo.

Renovação

As previsões a respeito do índice de renovação da Câmara dos Deputados andam girando em torno de 60%, apenas 10 pontos porcentuais a mais que os 50% da média habitual. Se for isso mesmo, considerando as circunstâncias, suas excelências estão no lucro.

Telefones

A propósito de nota estranhando o monopólio da Brasil Telecom como operadora dos telefones da Câmara e dos apartamentos funcionais dos deputados, a Mesa explica que os serviços foram contratados por licitação ao preço menor.

De todo modo, nas moradias os parlamentares podem escolher outras operadoras, mas por causa da tarifa maior terão também maiores descontos em seus pagamentos.