Título: Bolsa-Família, um balanço do partido da reeleição
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2006, Nacional, p. A8

O PT faz sua convenção no sábado, mas a principal máquina a serviço da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha em passo acelerado. Com passagem e estadia pagas, os 1.500 coordenadores dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), ponta-de-lança junto à população humilde em 1.600 municípios, foram levados a Brasília para um encontro encerrado ontem à tarde, após três dias de seminários, palestras e muito teatrinho didático. Os Cras agrupam 6.600 funcionários às voltas com benefícios diversos e um foco especial no Bolsa-Família.

"Esta eleição (presidencial) será o grande teste do sistema", afirma, sem maiores rodeios, o secretário nacional de Assistência Social, Oswaldo Russo, principal braço político do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome depois do ministro Patrus Ananias. "O debate vai mostrar a melhor gestão. Não fazemos troca de votos. Elevamos a assistência à condição de política pública, um direito e não um brinde." Russo costuma ilustrar suas conversas com um número: em 2002, o governo Fernando Henrique gastou R$ 6 bilhões com assistência social. Lula baterá em R$ 20 bilhões em 2006.

O Estado ouviu duas dezenas de coordenadores dos Cras. Eles participam de reuniões em zonas miseráveis, ouvem pedidos de emprego, controlam benefícios. Suas opções políticas são variadas: há os eleitores e os inimigos do presidente Lula, os burocratas e os abnegados. Todos reconhecem o potencial eleitoral dos benefícios distribuídos por Brasília.

"A assistência social envolve antes de tudo uma questão política", explica Maria del Pillar Ferrer, que coordena dez Cras em Santos, num trabalho iniciado há uma década, quando os programas de renda mínima engatinhavam. "Você pode dizer que está dando um direito, e não prestando um favor, mas as pessoas vão associar os benefícios ao Lula. Ele é que deu essa alavancada", acrescenta Maria Marta Lucas de Carvalho, de Ilhéus, na Bahia.

"A população pobre se sentia ignorada pelo governo. Agora acha que o Lula se preocupa com ela. É política, não é politicagem", afirma Ieda Castro, da Secretaria de Assistência Social em Maracanaú, no Ceará.

Formados por uma assistente social, um psicólogo e um técnico, os Cras têm função estratégica. Cada um custa R$ 4.500 mensais ao governo federal, que faz o investimento em parceria com as prefeituras, que oferecem uma sede para os trabalhos e têm o direito a escolher os funcionários contratados. Havia 400 Cras em 2003. Hoje são 2.244. Para Maria das Graças do Nascimento, de Canhotinho, em Pernambuco, "o crescimento é tão grande que pega mal para um prefeito ficar de fora". "O povo sabe o que acontece na cidade vizinha e cobra."

A assistência social brasileira sempre foi serviço clientelista de uma secretaria especializada, localizada em geral na região central da cidade. O Cras foi para os bairros pobres, onde funcionários apuram as necessidades dos moradores de uma área chamada de "território", que em geral envolve 5 mil famílias, e acompanham o atendimento.

O encontro de Brasília não foi a celebração de uma panacéia para as questões sociais. O Bolsa-Família nasceu marcado por fraudes, distribuindo benefícios a quem não devia, e pelo menos dois coordenadores se confessam impotentes para reduzir as irregularidades a um volume tolerável. A capacidade de emancipar os pobres dos benefícios públicos é uma incógnita. Uma rara prefeitura com dados disponíveis é Maracanaú: Foram 6 renúncias - de um total de 25 mil Bolsas-Família.

Segundo fontes do Ministério do Desenvolvimento Social, o governo já distribui 11,6 milhões de Bolsas-Família, crescimento de quase 30% em relação ao último balanço. O novo número, porém, só será anunciado oficialmente após nova checagem. Seja como for, o Bolsa-Família não pára de crescer no ano reeleitoral de 2006.