Título: La Paz procura consertar o estrago
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2006, Economia & Negócios, p. B5

Integrantes do governo dizem que Evo falou de empresas de modo geral e não particularmente da Petrobrás

O fracasso de Viena obrigou o governo boliviano a apagar vestigios de um tiro no próprio pé, dado pelo presidente Evo Morales. Menos de 24 horas após conseguirem abrir uma fresta para iniciar as discussões sobre o futuro da venda de gás para o Brasil, as autoridades bolivianas queriam acreditar que tudo poderia seguir como antes - mas era difícil. Após tentar negar a gravidade das declarações de Evo, o governo paralisou.

Convocado ao Palácio Queimada pelo vice Alvaro García Linera, o presidente da YPFB, Jorge Alvarado, não comentou o desastre presidencial. Optou por recitar uma cartilha pacificadora, explicando que terça-feira brasileiros e bolivianos se reúnem. Sobre as críticas à Petrobrás, disse que "essas coisas não são novidades para vocês. Falamos sobre negócios irregulares e ilegalidades há muito tempo".

Mas sobre a acusação de envolvimento da Petrobrás em contrabando, coisa que jamais foi dita em conversas sérias em La Paz, o presidente da YPFB disse que Evo falara das empresas de um modo geral "e não da Petrobrás". Questionado pelo Estado como intepretava uma entrevista tão agressiva horas depois de uma negociação que o governo boliviano definia como muito promissora, Alvarado disse: "Interpreto assim: às vezes os jornalistas nos fazem dizer coisas que não estamos dizendo."

Mais tarde, o ministro da Presidência Jorge Ramos Quintana, que exerce funções equivalentes a de chefe da Casa Civil, também teve de ouvir perguntas sobre a verborragia presidencial. Quintana é considerado um articulador competente. Atribui-se a ele o desmanche de uma paralisação de protesto cívico de empresários e profissionais liberais da Provincia de Santa Cruz, três dias depois do decreto da nacionalização.

Interrogado sobre o futuro das negociações sobre o gás, Quintana disse que "o espírito que presidiu a reunião (entre o governo brasileiro e o argentino) permanece. Não há o que mudar na declaração conjunta." Insistiu que, ao falar sobre ilegalidades das empresas de petróleo, aí incluída a Petrobrás, Evo se referia a um aspecto constitucional dos contratos de risco "que entregavam a propriedade de recursos naturais para empresas naturais, quando a Constituição determina que sejam propriedade do Estado. A mudança precisava ser aprovada pelo Congresso, e nunca foi".

As declarações de Evo chocaram os bolivianos porque não há indício de que sejam verdadeiras - e isso é atestado por um ex-ministro boliviano. "Jamais encontrei um indício de contrabando da Petrobrás, nem de qualquer outra atividade que possa ser considerada ilícita ou criminosa."

Empresários e lobistas do setor descrevem o trabalho da Petrobrás como a ação de uma empresa capaz de colher benefícios e receber favores sem atravessar a fronteira legal. Conseguiu reduzir determinados impostos, comprou campos de gás a preço de banana, fez acordos onde recolhia mais benefícios do que prejuízos - mas jamais sofreu investigações semelhantes às que atingiram outras multinacionais, que tiveram executivos processados e até presos.

O que se questiona em La Paz é a oportunidade do pronunciamento de Evo. O governo sentiu-se vitorioso após a primeira rodada de conversa. Não obteve nenhuma concessão mas considera ter aberto uma porta para obter ganhos no futuro, até porque o Brasil aceitou negociar no quadro do decreto de nacionalização, que prevê um prazo de 180 dias e cria novas regras para o negócio.

O governo boliviano não entrou num dos grandes conflitos do continente neste início de século para ficar de mãos abanando, mas porque espera receber um aumento no gás, capaz de melhorar suas receitas - e assegurar recursos para Evo fazer um bom governo e batalhar pela reeleição, caso ela seja aprovada pela Constituinte.