Título: Petrobrás: repúdio e indignação
Autor: Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

Em nota oficial, estatal diz que não cabe ao governo boliviano avaliar se a sua atuação no país é legal ou não

A Petrobrás afirmou ontem, em nota oficial, que não cabe ao governo boliviano avaliar se a atuação da empresa naquele país é legal ou não. As declarações do presidente Evo Morales em Viena motivaram a divulgação de um duro texto, no qual a estatal manifesta repúdio e indignação com as acusações de que estaria operando na ilegalidade. A empresa informou que, na reunião de anteontem com os bolivianos, ficou acertado que haverá compensações por possíveis perdas com a nacionalização dos ativos na Bolívia.

"A assinatura e o cumprimento dos contratos respeitaram o arcabouço legal vigente na Bolívia, cabendo às instâncias legais e arbitrais competentes, e não ao Poder Executivo, os eventuais juízos (...) sobre a legalidade de contratos que vêm sendo cumpridos há mais de uma década", afirma o texto. Segundo a empresa, sua presença na Bolívia é fruto de acordos bilaterais entre Brasil e Bolívia, que possibilitaram a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil.

Em razão desses acordos, a Petrobrás financiou e construiu o trecho boliviano do gasoduto e fez investimentos na exploração e produção de reservas de gás no país vizinho. "Em vista disso, a Petrobrás manifesta sua indignação diante das acusações de que a companhia possa ter, em qualquer momento, operado deliberadamente à margem da lei, seja na Bolívia ou em qualquer país onde atue", conclui o texto.

As declarações de Evo surpreenderam o mercado. No dia anterior, o presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, e o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, reuniram-se com o governo boliviano para discutir os termos da nacionalização. Segundo a estatal, houve acordo sobre a possibilidade de indenizações e também sobre as negociações do preço do gás.

Para o professor César Flores, especialista em Direito Internacional da FGV, o cumprimento da ameaça de não indenizar significará que a Bolívia não cumprirá suas promessas de não expropriar os ativos das empresas no país.

"Tomar ativos sem compensações é expropriação", disse Flores, lembrando que uma decisão nesse sentido prejudica todos os brasileiros que, por meio da União, têm 32% das ações da Petrobrás.

Segundo ele, mesmo que tenha mudado a legislação, o governo boliviano tem de cumprir os termos dos contratos assinados no passado, sob risco de um processo de arbitragem internacional. Para ele, porém, a solução terá de ser negociada.

O doutor em Direito Internacional Eduardo Felipe Matias acredita que são grandes as chances de a Petrobrás conseguir a compensação, por poder fazer uso da arbitragem. Matias diz que o mecanismo está previsto em contrato. E, mesmo que Evo viole os direitos contratuais, a estatal pode recorrer ao tratado bilateral de investimento, feito entre países para garantir direitos. O Brasil não possui o acordo com a Bolívia. Mas os investimentos no país foram pela Petrobrás Holanda. Neste caso, há o tratado.

Segundo Matias, sócio da L. O. Baptista Advogados, há mais de 1,5 mil tratados desse tipo em 170 países. "É uma forma de proteção, no qual a primeira opção sempre é a arbitragem também."

"Mas acho difícil Evo Morales chegar a esse ponto de desrespeito aos contratos, pois isso causaria uma insegurança jurídica monstruosa, que afastaria o investidor estrangeiro", disse Matias.

O advogado se recorda de um estudo da ONU, no qual são enumerados 50 casos de disputas do tipo por arbitragem só no ano passado. "Percebe-se que são mecanismos comuns e acionados sempre."