Título: 'Trocamos o Acre por um cavalo'
Autor: Tânia Monteiro, Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2006, Economia & Negócios, p. B3

Evo lamenta venda, mas se esquece de que Brasil venceu a Bolívia e pagou indenização

O presidente boliviano, Evo Morales, lamentou que o Estado do Acre, pertencente à Bolívia até 1903, tenha sido "trocado por um cavalo" pelo Brasil. Apresentada como um exemplo de espoliação da Bolívia, sua queixa provocou entre os jornalistas risos e pedidos de explicação. Evo, porém, não soube contar a história direito.

Ocupado por seringueiros brasileiros, em sua maioria nordestinos, no século 19 o Acre acabou se tornando legalmente brasileiro após uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas à Bolívia e de 110 mil libras esterlinas ao arrendatário da área, o grupo anglo-americano The Bolivian Syndicate. O Brasil ainda se comprometeu a construir a Ferrovia Madeira-Mamoré, a Mad Maria.

Evo não informou também que as negociações entre a Bolívia e o Brasil só começaram depois que um grupo de seringueiros, liderados pelo militar gaúcho José Plácido de Castro, expulsou as autoridades bolivianas da região em 1902.

Os bolivianos foram pegos de surpresa quando, na madrugada de 6 de agosto (data da independência da Bolívia), Castro e mais 30 homens chegaram a Xapuri e se dirigiram á casa do intendente da região, Don Juan de Dios Barrientos. O boliviano não entendeu o que estava ocorrendo e pensou que se tratava de uma brincadeira de seus correligionários, celebrando a data nacional. "Caramba, é muito cedo para festa", exclamou o intendente.

E foi prontamente esclarecido por Castro: "Não é festa, senhor, é a revolução."

A rápida vitória nesse combate deu fama aos seringueiros e medo aos bolivianos. O prisioneiro de guerra Luís Pinedo admitiu que que seus companheiros morriam de medo dos nordestinos, pois "eram muito hábeis com suas facas". E ressaltou que o medo aumentava ainda mais se os combatentes brasileiros estivessem bêbados. "Aí, a brutalidade era inominável, porque, quando a cachaça já subiu à cabeça, eles se tornam energúmenos e dão facadas à vontade", relatou Pinedo, que se tornou intermediário entre o comando brasileiro e os bolivianos.

Oficialmente, Castro não recebia nenhuma ajuda oficial do Brasil, mas era apoiado pelo então governador do Amazonas, Silvério Néri.

A principal revolta dos seringueiros era contra o Bolivian Syndicate, que havia recebido os direitos de administração fiscal e policial, exclusividade para exploração do território e poderes para ter um Exército e uma esquadra.

Com a vitória dos seringueiros, o Brasil abriu oficialmente as negociações com a Bolívia. E, em 1903, foi assinado o Tratado de Petrópolis, que deu ao País a posse definitiva do Acre.

O chanceler brasileiro, Celso Amorim, procurou amenizar as declarações de Evo. "O problema do Acre está resolvido há cem anos. E foi resolvido pelo patrono da diplomacia", referindo-se ao Barão do Rio Branco, ex-ministro das Relações Exteriores.

Aliás, o Barão sempre negou que o Brasil tivesse adquirido o Acre. "Não se pode dizer que compramos o Acre, que adquirimos o título espanhol que a Bolívia tinha sobre essa região. O que fizemos foi resgatar, mediante indenização, o título português ou brasileiro, que havíamos cedido à Bolívia pelo Tratado de Ayacucho.