Título: Ataques de Evo deixam governo Lula 'estarrecido'
Autor: Tânia Monteiro, Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2006, Economia & Negócios, p. B3

Para presidente e principais auxiliares, declarações feitas por líder boliviano 'foram muito além do razoável'

Três horas e meia depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter desembarcado em Viena, o governo brasileiro reagiu com "indignação" às afirmações do presidente boliviano, Evo Morales, dadas quase nove horas antes, em entrevista coletiva. As duras declarações de Morales contra o Brasil e a Petrobrás "chocaram" Lula e seus auxiliares, que ficaram "estarrecidos" com o fato de o vizinho "ter passado, em muito, do tom considerado razoável".

Lula foi informado dos ataques durante o vôo para a Áustria. Logo que chegou ao hotel, o presidente ouviu, ao lado do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, toda a entrevista coletiva do colega boliviano, de cerca de 40 minutos.

Escalado por Lula para dar a resposta do governo brasileiro, Amorim "lamentou profundamente" e "estranhou" as afirmações de Evo. "Há um contraste entre o que se acorda entre os dois países e as declarações públicas", disse o ministro.

Amorim disse que Lula e Evo poderão conversar sobre o assunto hoje, em Viena. Se isso não ocorrer, o Brasil vai formalmente pedir explicações ao governo da Bolívia."Precisamos saber em que terreno estamos pisando", observou o ministro, que se disse perplexo e irritado.

Ele admitiu que poderá ir a La Paz para tratar da questão. "Temos de esclarecer isso. Para nós, deve valer o que está escrito entre os presidentes e os ministros. Se não, teremos de reexaminar toda a situação e todo o relacionamento", afirmou.

Amorim negou que o tom, considerado até moderado, que vinha usando na resposta brasileira fosse uma estratégia para não agravar o relacionamento com a Bolívia. "A nossa estratégia é resolver a questão", esclareceu. Disse ainda que estava usando "linguagem diplomática", mas, "se houve intenção de dizer que a Petrobrás praticou contrabando, há indignação, sim".

O ministro chegou a ser irônico quando os jornalistas insistiram em saber a que ele atribuída a atitude de Morales. "Não estou no exercício da interpretação psicológica", disse. Deixou claro também que as afirmações de Evo contrastavam com o que foi acertado em Puerto Iguazú, na semana passada, entre Lula, Evo e os presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez, e também nas negociações em La Paz na quarta-feira.

"É uma pena que se perca uma oportunidade de se vir à Europa para discutir subsídios agrícolas e acesso ao mercado europeu e a gente fique trazendo à baila questões para as quais temos meios para dirimir." O ministro observou que, da parte do governo brasileiro, há "o desejo de manter as melhores relações possíveis e de ajudar o povo boliviano".

Mas advertiu que "isso não pode ser confundido com fraqueza na defesa dos interesses brasileiros", acentuando que "não há interesse em parecer belicoso nem de parecer excessivamente moderado". Amorim lembrou ainda que "não foi a primeira vez" que declarações como essas foram dadas por autoridades da Bolívia.

"Tratamos desse assunto com seriedade. É, sem dúvida, um episódio raro, que decorre de decisões tomadas, algumas há muito tempo, e de situações que não estão no nosso controle. A Petrobrás e o governo brasileiro defenderão o interesse do País de maneira firme, sem recusar-se ao diálogo, mas na expectativa de que o resultado não seja desfeito por uma declaração no dia seguinte", frisou.

Referindo-se à Petrobrás, Amorim observou que ela "é o orgulho do País" e acrescentou que "o governo brasileiro não deixará de defender os interesses brasileiros legítimos." Em seguida, comparou: "a Petrobrás será defendida como se fosse a seleção brasileira".

Em relação à questão dos plantadores de soja e outros brasileiros na Bolívia, Amorim foi direto: "Esperamos que eles sejam tratados com humanidade, civilidade e reciprocidade, com o mesmo tratamento que damos aos cerca de 70 mil cidadãos bolivianos que vivem no Brasil.