Título: Evo Morales acusa Petrobrás de sonegação e contrabando
Autor: Denise Chrispim Marin, Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2006, Economia & Negócios, p. B1

Presidente da Bolívia indica que não pagará indenização à estatal e retira o Brasil da lista de países amigos

O presidente da Bolívia, Evo Morales, acusou ontem a Petrobrás de sonegar impostos e de praticar contrabando em seu país e indicou que não pagará indenização à companhia brasileira, responsável por investimentos de US$ 1,5 bilhão no setor de gás. Em entrevista à imprensa em Viena, onde estará hoje ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 4ª Reunião de Cúpula União Européia-América Latina, Evo Morales excluiu deliberadamente o Brasil e a Espanha de sua lista de países que ofereceram "apoio incondicional" à Bolívia e levantou a suspeita de que uma tentativa de fazer contato com Lula, antes do anúncio do decreto que nacionalizou o setor do gás, no dia 1º de maio, foi "bloqueada" por assessores do Palácio do Planalto.

"Os contratos são ilegais e inconstitucionais. Se você quer saber da Petrobrás, posso dizer como ela operava ilegalmente, sem respeitar as normas bolivianas", afirmou Morales, irritado com uma pergunta sobre a decisão unilateral de La Paz de quebrar o contrato de compra e venda de gás entre Brasil e Bolívia, de 1993. "Há muitas denúncias de empresas petroleiras que não pagam impostos, que são contrabandistas. De que segurança jurídica essas empresas e seus países podem falar?", declarou, referindo-se à Petrobrás e às demais multinacionais que atuam em seu país no setor de gás e petróleo.

As declarações surpreenderam pela falta de cuidado diplomático e por surgirem no momento em que estão em andamento negociações entre autoridades dos dois países, em La Paz, sobre o reajuste de preços do gás e o destino da Petrobrás na Bolívia. Evo, entretanto, falou claramente e não se mostrou intimidado nem mesmo pelas repercussões que sua decisão de nacionalizar o setor de gás e de petróleo causará na Reunião de Cúpula e nos encontros paralelos de hoje em Viena.

Evo Morales argumentou que os contratos entre o governo boliviano e as companhias estrangeiras - como os firmados com o Brasil/Petrobrás - são inconstitucionais porque não passaram pela ratificação do Congresso boliviano. Alegou ainda que seus termos haviam sido negociados secretamente. De acordo com o presidente boliviano, o fato de essas empresas terem atuado ilegalmente no país anula seus direitos de reclamar segurança jurídica. Tais companhias, insistiu ele, "desprezam a Bolívia e a traíram".

Numa demonstração da sintonia de governo, o presidente boliviano jogou uma pá de cal no pedido de indenização da Petrobrás. Garantiu que os investidores têm o direito de "recuperar seus investimentos e a ter lucros", mas não podem "exercer o direito de propriedade". Na terça-feira, seu assessor de Integração, Pablo Sólon, dissera que a Constituição boliviana não prevê indenização por quebra de acordos ilegais, ou seja, não ratificados pelo Congresso.

"Queremos parceiros e não patrões. Não estamos expulsando ninguém. Estamos só exercendo o direito de propriedade sobre nossos recursos naturais", afirmou Evo. "Eles executaram seus investimentos e terão seus lucros. Portanto não há por que falar em indenização. Se estivéssemos expropriando sua tecnologia, teríamos que indenizar. Mas esse não é o caso."

Aparentemente, Evo Morales fez questão de diferenciar a situação da Petrobrás e de companhias "convidadas" a se retirar da Bolívia, como a siderúrgica brasileira EBX, da condição dos brasileiros que cultivam soja no país e respondem por 60% das exportações bolivianas do produto. "Eles respeitam a lei. Tenho muita amizade com os 'sojeiros' brasileiros."

Entretanto, indicou que interesses brasileiros podem ser afetados pelo projeto de reforma agrária e pela aplicação de regras constitucionais, como as atividades que estiverem na faixa de fronteira e as que não tiverem licenças ambientais. "Se a Bolívia era, antes, uma terra de ninguém, agora é dos bolivianos, especialmente dos povos indígenas", declarou.

LULA Apenas sete dias depois da reunião que manteve com Lula e os presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez, em Puerto Iguazú, Evo Morales fez questão ontem de defender-se de uma das críticas mais severas que sofreu no processo de anúncio da nacionalização do setor de gás. Na semana passada, ele havia sido criticado especialmente por não ter avisado antecipadamente o governo brasileiro de sua decisão.

"Quero dizer com muito respeito ao Brasil e ao mundo: não tenho por que perguntar, não tenho por que consultar, não tenho por que informar sobre políticas que o país tenha de adotar soberanamente", afirmou, irritado. "Dias antes do anúncio da nacionalização, procurei o companheiro Lula por todos os lados. Creio que seus assessores o bloquearam (de um contato). Quando anunciei, imediatamente me convocaram para falar com ele", queixou-se.

Evo Morales também deixou claro que delimitou o grupo de países amigos da Bolívia e, dessa lista, nem Brasil nem Espanha fazem parte. Mencionou Cuba, Venezuela, Japão e Dinamarca, que teriam oferecido "apoio incondicional" ao país.

Expressou sua admiração e respeito ao presidente de Cuba, Fidel Castro, que enviou à Bolívia uma missão de médicos para realizar cirurgias de catarata, e apoiou também a proposta de integração sul-americana de Chávez, por meio do setor energético, e a criação de uma petroleira da região, batizada como Petrosur ou Petroamérica.

Mesmo tendo garantido que a Espanha é um "aliado estratégico", Evo preferiu lembrar os "500 anos de exploração" espanhola nas Américas e cobrar supostas promessas que o primeiro-ministro José Luís Rodríguez Zapatero teria feito em 2005 de dobrar a ajuda e de quitar os débitos de seu país. "Oxalá os compromissos do governo espanhol não parem após a nacionalização do gás."

MÉXICO Questionado sobre as acusações do Brasil de que Chávez influenciou a decisão da Bolívia sobre a nacionalização do setor do gás e do petróleo, o ministro das Relações Exteriores do México, Luis Ernesto Derbez, advertiu que as divergências de curto prazo não devem levar esses países a perder seus objetivos de integração. Chamuscado por um atrito entre Chávez e o presidente mexicano Vicente Fox, na Cúpula das Américas, em novembro de 2005, Derbez se recusou a comentar a interferência do venezuelano na questão Brasil-Bolívia.