Título: Descoberto outro gênero de macaco
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2006, Vida&, p. A18

Animal achado em 2005 parecia ser espécie inédita, mas exames moleculares apontaram novo grupo de primatas

No ano passado, cientistas descobriram o que pensavam ser uma nova espécie de macaco africano, escondida nas florestas de altitude do sudeste da Tanzânia. Agora, concluíram que a descoberta foi ainda mais importante do que imaginavam. Análises de DNA e da morfologia do crânio do animal mostraram que ele não é apenas uma nova espécie primata, mas um novo gênero - o primeiro descoberto na África em mais de 80 anos.

Para quem não se lembra do organograma básico de classificação da vida, gênero está um degrau acima de espécie. Ou seja, um único gênero pode agrupar dezenas ou até centenas de espécies, diferentes entre si, mas com certas características básicas em comum. Subindo mais alguns degraus, os gêneros estão organizados em famílias, as famílias em ordens, e assim por diante, até os grandes reinos dos animais, vegetais e microorganismos.

A descoberta de um gênero de primata nas Américas também seria algo importante, mas não necessariamente inusitado, pois os cientistas sabem que ainda há muito o que se descobrir por aqui. Na África, entretanto, é algo totalmente inesperado. O continente já é estudado há muito mais tempo, e o grupo dos mamíferos (ao qual pertencem os macacos) é um dos mais bem conhecidos.

"A maioria das pessoas tende a pensar que a África já foi totalmente explorada e conhecida. Isso mostra que ainda temos muito o que aprender sobre sua biodiversidade", disse ao Estado o pesquisador Tim Davenport, da Wildlife Conservation Society, que trabalha na Tanzânia e é o autor principal da descoberta, relatada na edição de hoje da revista Science. "Se encontramos um novo gênero de macaco, imagine o que mais não pode haver por lá."

"É realmente uma coisa espetacular", disse o ecólogo de mamíferos Antonio Rossano Mendes Pontes, da Universidade Federal de Pernambuco e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que recentemente identificou uma nova espécie de macaco-prego da mata atlântica.

O novo gênero, Rungwecebus, foi descrito com base em um único espécime, que morreu preso na armadilha de um fazendeiro local. Até então, os pesquisadores só haviam visto o macaco de longe, na floresta. Por se tratar de um animal raro e de difícil captura, a primeira descrição da espécie havia sido feita com base apenas em fotografias. Dessa forma, o macaco foi classificado como Lophocebus kipunji - uma nova espécie do gênero Lophocebus. Agora, passou a se chamar Rungwecebus kipunji - a primeira espécie de um gênero inédito.

"Logo que o vi pela primeira vez, percebi que era um animal diferente, certamente uma nova espécie", conta Davenport. "Descobrir que se tratava de um novo gênero, porém, foi realmente surpreendente."

A primeira dúvida foi levantada pela genética. As análises de DNA realizadas no macaco capturado indicavam que ele era muito mais próximo do gênero dos babuínos (Papio) do que dos Lophocebus. Só que as análises morfológicas do crânio não apresentavam algumas características básicas dos babuínos, como o focinho extremamente alongado, depressões na parte lateral da mandíbula inferior e abaixo da cavidade ocular.

"O DNA indica que ele é um babuíno, mas o crânio não tem nada a ver com o de um babuíno", explica William Stanley, co-autor do estudo e gerente da coleção de mamíferos do Field Museum de Chicago, onde o espécime foi depositado. "Como não podíamos classificá-lo em nenhum gênero existente, resolvemos criar outro gênero."

O nome Rungwecebus é uma referência ao local onde o animal foi descoberto: as florestas de Rungwe-Livingstone. Fora isso, até onde se sabe, ele existe apenas em uma outra localidade, na Reserva Florestal de Ndundulu, cerca de 200 quilômetros ao norte. "É um animal extremamente raro", afirma Davenport. "Duvido que haja mais do que 700 ou 800 indivíduos."

COMPORTAMENTO Um R. kipunji adulto, segundo os pesquisadores, pode chegar a quase 1 metro de altura e pesar mais do que 15 quilos. Não é um animal pequeno, o que torna ainda mais surpreendente o fato de ele ter permanecido desconhecido até agora. Ele vive no topo das árvores, em grupos de 30 a 36 indivíduos, e se alimenta de folhas, frutos, cascas de árvores, liquens e invertebrados.

É praticamente certo que ele entrará para a lista de animais ameaçados de extinção. Segundo Davenport, as florestas nas quais o macaco vive estão sob forte pressão de madeireiros. Além disso, o R. kipunji é muitas vezes atacado e morto por fazendeiros quando invade plantações de milho e batata para "roubar" comida. "Espero que essa descoberta ajude a convencer os governos a investir mais na conservação da floresta", disse Davenport.

A nova classificação, apesar de ter sido publicada na Science, poderá ou não ser aceita por todos os primatólogos. Apesar da descrição ter sido baseada em um único macaco, Davenport não tem intenção de coletar novos espécimes da natureza, para não colocar o animal ainda mais em risco.

Outros novos gêneros de primatas também foram propostos recentemente na América do Sul, mas não são aceitos por todos os especialistas, segundo Stanley.