Título: Sai acordo de paz para Darfur
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2006, Internacional, p. A22,23

Principal facção rebelde e governo do Sudão aceitam texto que pode acabar com conflito que já matou 180 mil

Sob intensa pressão internacional, o Exército de Libertação do Sudão, principal facção rebelde, e o governo sudanês aceitaram ontem firmar um acordo para pôr fim ao conflito da região de Darfur. Segundo as Nações Unidas, as conseqüências dessa crise representam a maior violação dos direitos humanos em grande escala desde os atentados de 11 de setembro de 2001.

Mas o encerramento das hostilidades que já custaram a vida de 180 mil pessoas e deixaram 2 milhões de desabrigados ainda é incerto.

Isso porque outros dois grupos rebeldes, o Movimento para Justiça e Igualdade e Movimento de Libertação do Sudão, rejeitaram o texto do acordo, redigido por mediadores da União Africana (UA), que reúne os 53 países africanos), e dos Estados Unidos. De qualquer forma, o entendimento alcançado ontem é o mais significativo passo dado até agora para pacificar a região.

Os massacres indiscriminados de civis começaram há 17 meses quando o governo do Sudão decidiu intervir na província para conter uma rebelião de tribos rebeldes que exigiam autonomia. Nessa operação, as autoridades sudanesas passaram a dar apoio - armas e dinheiro - a bandos de mercenários árabes que já praticavam saques na região, os chamados Janjaweed.

Com inusitada brutalidade, eles começaram a atacar os pequenos povoados, praticar saques e assassinar a população civil, incluindo mulheres e crianças. Em pânico, os habitantes das áreas conflagradas abandonaram suas casas e propriedades e se embrenharam pelo interior inóspito do país. Por toda Darfur, uma região do Sudão com um tamanho equivalente ao do território da França, as mulheres pegas pelos Janjaweed foram estupradas, de acordo com relatórios da ONU. Agora, um terço dos 6 milhões de habitantes da região vive em campos de refugiados improvisados no Chade.

Nos últimos meses, aumentaram as pressões dos Estados Unidos sobre o governo do Sudão para interromper o apoio logístico aos mercenários árabes. Até Osama bin Laden, chefe da rede terrorista Al-Qaeda, entrou em cena. No dia 23, na sua última declaração em vídeo, exortou os árabes a iniciarem uma guerra santa para defender o Sudão, "agredido" pelos EUA. Ele acusou a Casa Branca de se intrometer para se apoderar do petróleo sudanês.

Apesar do acordo firmado ontem, a paz pode estar ainda muito distante de Darfur. Isso porque não há unanimidade entre as partes. O Movimento para a Justiça e Igualdade (MJI) reiterou sua oposição ao tratado. Já o Movimento de Libertação do Sudão (MLS), dirigido por Abdel Wahid al-Nur, não fez nenhum comentário a respeito.

Na verdade, a decisão do Exército de Libertação do Sudão de firmar o acordo, mesmo com algumas restrições, não teve nenhuma influência sobre os demais grupos rebeldes menores.

O intransigente líder do JEM, Ahmed Tugod, reiterou a oposição dele. "Ouvi dizer que o Exército de Libertação do Sudão acabou concordando, mas nós não vamos participar disso." Segundo Tugod, o documento não contempla a principal reivindicação de sua organização: transformar Darfur num território autônomo, com a união dos três distritos que o compõem atualmente."Não vamos abrir mão dessa reivindicação em hipótese nenhuma", insistiu ele.