Título: Preço do gás vai subir no mínimo 30%
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

Segundo vice-presidente da YPFB, este é o patamar para qualquer início de conversa com os brasileiros

As autoridades bolivianas já têm algumas certezas sobre o gás que exportam para o Brasil: o preço vai subir, o aumento deve ficar entre 30% e 60% em comparação com o de hoje e os brasileiros é que vão decidir quem vai pagar a conta, que não é nenhuma pechincha. Se o gás for reajustado em 30%, patamar considerado mínimo para qualquer início de conversa em La Paz, o Brasil irá assinar um cheque suplementar de US$ 360 milhões por ano.

"Não tenha dúvidas nem se engane: a decisão de reajustar os preços está tomada por nosso governo"," disse o engenheiro Nelson Cabrera Maráz, vice-presidente de operações da YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia), a estatal que cuida do assunto. "Os valores estão em discussão mas os patamares começam a ser definidos." Hoje, o Brasil paga US$ 3,13 por mil pés cúbicos que recebe da Bolívia. A idéia é aproximar esse número dos US$ 5. Cabrera admite, para efeito de raciocínio, que as autoridades bolivianas até poderiam pensar num reajuste para US$ 6, igual a 100% - mas um salto desse tamanho parece apenas retórica de negociação.

Comparado com o que disse há dois dias o ministro dos Hidrocarbonetos Andrés Soliz, os patamares apresentados colocam o debate num plano mais realista. Soliz mencionou cálculos que poderiam levar a um reajuste que colocariam os preços em patamares de US$ 8 por mil metros cúbicos.

Quando conversa sobre esses patamares, Nelson Cabrera deixa claro que se trata de uma análise técnica e não da proposta de negociação que será debatida com as autoridades brasileiras, que desembarcam em La Paz para uma rodada de negociações na semana que vem.

CONVERSAS Um dia depois do encontro dos quatro presidentes em Puerto Iguazú, as autoridades bolivianas ao petróleo avaliam que o presidente Evo Morales ganhou pontos nos primeiros lances da guerra do gás.

A nacionalização lhe deu apoio interno. Ele não recebeu críticas dos governos vizinhos e voltou para casa com encaminhamentos práticos convenientes: a partir da semana que vem La Paz recebe delegações brasileiras e argentinas para discutir o reajuste do gás. "Era isso o que queríamos discutir, negociar, ouvir o outro ponto de vista e chegar a um acordo", afirma Nelson Cabrera.

Questionado se essa disposição para o diálogo não poderia ter dispensado a ocupação militar das refinarias ou um decreto unilateral envolvendo empresas que fazem grandes investimentos no país, Cabrera responde: "Essas foram decisões de um Estado soberano, tomadas por um governo eleito. O preço vamos discutir agora."

A conversa com os negociadores argentinos está marcada para segunda-feira. Conduzida pelo próprio Cabrera, será um encontro especialmente duro em função de um aspecto técnico: quando sua economia começou a derreter, o governo argentino convenceu as autoridades do governo de Carlos Mesa a aceitar um acordo que fixava o preço do gás por um preço solidário - categoria que provoca comentários mordazes em La Paz em função do abismo que marca os dois países, em qualquer conjuntura específica. Em função disso, os argentinos levam o gás boliviano com um desconto de 10%, diferença que pode desaparecer.

"Bolívia vive um novo momento e seus parceiros precisam estar preparados para isso", afirma Nelson Cabrera. "Não somos mais um país onde as transnacionais do petróleo fazem o que querem."

A verdade é que o decreto da nacionalização colocou a YPFB numa posição mais confortável para negociar - e defender o que o governo boliviano considera um preço justo. Até agora, o gás que era extraído da Bolívia pertencia à subsidiária boliviana da Petrobrás, que o revendia a estatal boliviana, que o entregava a Petrobrás brasileira. Com o decreto, a YPFB torna-se dona do gás, que é apenas extraído pela Petrobrás Bolívia. Isso permite que os bolivianos participem do jogo com mais força. "O que todos precisam compreender é que a Bolívia passará a jogar um papel determinante sobre sua principal riqueza", diz o vice-presidente. O calendário dos contratos em vigor pode auxiliar na conversa. Em junho termina uma temporada de 5 anos, prazo previsto pelas partes para avaliar os preços.

Mesmo em alta pressão, as autoridades bolivianas sabem que o jogo tem limites. Da mesma forma que o Brasil precisa do gás para crescer - e meses atrás entregou um pedido para dobrar as importações nas próximas décadas - a Bolívia sabe que não tem um mercado tão próximo e tão grande para entregar sua mercadoria.

"Não haverá ruptura nem desabastecimento", afirma Luis Carlos Kinn, que vem aconselhando o governo de La Paz a formar sua estratégia. Para Nelson Cabrera, os dois países têm contrato até 2019 e ninguém vai quebrá-lo. "A multa não compensa para nenhuma das partes", afirma.