Título: Iranianos lançam ofensiva diplomática
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2006, Internacional, p. A19

Funcionários da administração Bush gostam de descrever o Irã como um país isolado do mundo exterior. As políticas de seu governo criminoso, e especialmente suas atividades nucleares, lhe valeram a desconfiança de boa parte do mundo, o medo de seus vizinhos e, dizem eles, o rótulo apropriado de "Estado delinqüente".

Mas nas últimas semanas, enquanto a disputa sobre o enriquecimento de urânio entre o Irã, de um lado, e EUA, Grã-Bretanha e países europeus, de outro lado, caminhava para um desfecho, o presidente do iraniano, Mahmud Ahmadinejad, lançava uma enérgica contra-ofensiva diplomática para provar que os americanos estão errados.

Desafiando os esforços americanos, o Irã está seguindo sua própria política de engajamento regional. E para o crescente desconforto de Washington, ela parece estar funcionando. "Os americanos estão fazendo um grande esforço para isolar o Irã. Mas estão cometendo um grande erro. Não somos Mianmá", disse ao The Guardian, Vahid Karimi, do Instituto para Estudos Políticos e Internacionais, financiado pelo governo. "Temos muitos amigos."

O mais recente sucesso de Ahmadinejad veio na reunião realizada no último fim de semana da Organização de Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês), um associação econômico e de segurança pan-asiática controlada pela China e pela Rússia. O Irã deixou claro que espera ser membro pleno da SCO em breve.

O líder iraniano descreveu suas conversas com o presidente da China, Hu Jintao, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, como "muito proveitosas", dizendo que elas abriram caminho para o aprofundamento dos laços em investimento e energia, e uma maior cooperação política. O Irã possui as segundas maiores reservas de gás natural do mundo e só perde em exportação de petróleo para a Arábia Saudita na Opep (Organização de Países Exportadores de Petróleo).

Enquanto Ahmadinejad falava em Xangai, um ministro chinês de alto escalão, Ma Kai, estava em Teerã manifestando interesse em amplos projetos conjuntos em petróleo, gás e petroquímicos. "As economias da China e do Irã estão estreitamente ligadas", disse ele.

Muito disso poderia ser dito dos crescentes negócios do Irã com a Rússia. Putin afirmou que desejava aumentar a colaboração com o Irã para ganhar o controle sobre os fornecimentos de energia a "terceiros países", aparentemente incluindo a Europa. "Estamos falando de criar uma joint venture com base em depósitos russos e iranianos... Apoiamos essas iniciativas com nossos parceiros iranianos", disse Putin à agência russa de notícias Itar-Tass.

E numa observação que certamente enfurecerá o governo de Washington, Putin disse também que a Gazprom, a gigante russa de energia, "deseja tomar parte na construção de um gasoduto Irã-Paquistão-Índia". Os Estados Unidos têm pressionado fortemente a Índia e o Paquistão para engavetar o plano do gasoduto como parte de seus esforços para isolar o Irã.

Ahmadinejad não tem vacilado em enunciar as implicações políticas e estratégicas de seus entendimentos amistosos com China e Rússia, de cujo apoio os EUA dependerão se quiserem aprovar sanções das Nações Unidas na disputa sobre a questão nuclear com o Irã. "Na situação vigente, quando as políticas de alguns Estados (estão) baseadas em unilateralismo, ameaças e destruição, a SCO pode desempenhar um papel vital no estabelecimento de um sistema baseado na justiça para a região e conducente à paz e à estabilidade mundiais", disse ele.

A resposta diplomática do Irã está acontecendo em várias outras frentes por todo o mundo árabe e islâmico. "O Irã está conseguindo o que lhe é de direito", disse Seyed Muhammad Adeli, ex-embaixador do Irã na Grã-Bretanha e presidente do Econotrend, um centro independente de pesquisa e elaboração de propostas em Teerã. "A influência regional do Irã nunca foi tão alta nos tempos modernos. Nossos vizinhos estão cada vez mais convencidos de que o Irã está sendo tratado de maneira injusta pelos EUA."

Deixando claro, Teerã está estreitando ativamente seus laços com Azerbaijão, Casaquistão, Tajiquistão e outros países da Ásia Central.

Ahmadinejad pretende realizar em Teerã uma cúpula de Estados litorâneos do Mar Cáspio para discutir como estancar a "intervenção estrangeira" na região. O Irã também cortejou recentemente um favorito do governo de Washington, o presidente afegão, Hamid Karzai, em Teerã, e está remendando ativamente suas relações com o Paquistão.

Ele ganhou o apoio do Movimento dos Países Não-Alinhados e da Liga Árabe para sua posição nuclear. Seus enviados visitaram recentemente Iraque, Síria, Arábia Saudita e alguns países do norte da África.

Segundo algumas fontes, o Irã seria o país que mais tem contribuído com recursos para a Palestina depois do ostracismo a que o Ocidente relegou o governo do Hamas.

E numa medida inovadora no começo deste mês, Ali Larijani, o principal negociador nuclear do Irã e a segunda figura mais influente do governo depois de Ahmadinejad, encontrou-se com o presidente egípcio Hosni Mubarak, no Cairo. Foi o contato de mais alto nível entre os dois países desde a revolução iraniana de 1979. A aberta hostilidade de Ahmadinejad a Israel lhe valeu uma grande adesão do mundo árabe, segundo autoridades em Teerã. E isso é algo que o Egito, suposto líder desse mundo, não pode ignorar completamente.

"Xangai foi um grande sucesso", disse Karimi. "Todos nossos vizinhos apóiam nossa política (nuclear), até Mubarak. Estamos tendo êxito na construção de relações. É por isso que a posição americana está mudando... Eles acham que estamos cercados por causa do Iraque e do Afeganistão. Mas não estamos. É por isso que eles querem conversar conosco agora."

*Simon Tisdall é colunista do jornal 'The Guardian'