Título: Brasil inaugura unidade para enriquecer urânio
Autor: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2006, Nacional, p. A18

Ministro da Ciência e Tecnologia afirma que objetivo do País é alcançar a auto-suficiência, a exemplo do que já ocorre na produção de petróleo

Com discurso de que o País vai atingir a auto-suficiência na produção do combustível nuclear - a exemplo do que foi alcançado recentemente pela Petrobrás em relação ao petróleo - o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, inaugurou ontem a primeira unidade de enriquecimento de urânio das Indústrias Nucleares do Brasil, em Resende. Em entrevista, o ministro afirmou que o presidente Lula, apesar de arcar com um "pequeno ônus político junto a grupos ambientais", deve anunciar ainda este ano a retomada da construção da usina Angra 3. "Depois do que aconteceu com a Bolívia, estou convencido de que o governo como um todo está percebendo a importância de o País ter uma matriz energética diversificada."

Para o ministro, o investimento de R$ 550 milhões até 2010 para a conclusão da fábrica, quando a instituição passaria a enriquecer 60% do urânio necessário para abastecer as usinas de Angra, se justifica por questões estratégicas. "Em termos econômicos, o investimento se paga em 10 anos. Mas o significado para a soberania do País é muito grande. Se a questão nuclear internacional se agravar e houver um pacto entre os países de deixarem de enriquecer urânio para os outros países, ficaremos dependentes."

O enriquecimento do urânio é a fase mais cara da produção do combustível nuclear. A fábrica inaugurada ontem utiliza tecnologia nacional desenvolvida pela Marinha. As ultracentrífugas brasileiras são quase quatro vezes mais econômicas e produtivas do que as tradicionais utilizadas nos Estados Unidos e na Europa.

Essas máquinas estiveram cercadas de polêmica. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) exigia visualização total dos equipamentos, a fim de garantir que ele não seria usado para a produção de armas nucleares - o urânio para geração de energia é enriquecido a 3,5%; já para a bomba, o minério precisa ser enriquecido acima de 90%. O governo brasileiro permitiu maior visualização, sem comprometer o segredo tecnológico.

Os equipamentos inaugurados ontem são suficientes para enriquecer 2% do urânio necessário para abastecer as usinas de Angra 1 e 2. "A cascata (conjunto de centrífugas) que está sendo inaugurada hoje corresponde a alguns por cento do que estará produzindo em 10 anos. A inauguração da primeira plataforma continental da Petrobrás em 1984 representava mais ou menos a mesma proporção: 50 mil barris diários. Hoje são 2 milhões de barris por dia. Nós também vamos atingir a autonomia do combustível nuclear", afirmou o ministro Rezende.

O presidente das Indústrias Nucleares do Brasil, Roberto Esteves, calcula que essa autonomia vá chegar em 2015. Ele lembrou que o País detém o conhecimento tecnológico das cinco fases da fabricação do combustível nuclear e somente duas ainda não têm produção local em escala industrial - a conversão do minério em gás e o enriquecimento de urânio. "O único óbice é o investimento", afirmou. Ele disse que tem projeto para instalação de uma fábrica no Ceará que ajudaria a financiar a conclusão da fábrica de enriquecimento e a de conversão.

ANGRA 3

Rezende defendeu a retomada da construção da usina Angra 3, como forma de diversificar a matriz energética brasileira. "Há dois ou três anos, a geração termonuclear levava desvantagem em termos de preço, mas, com o aumento do custo do petróleo e agora mais ainda com a imprevisibilidade de outras fontes energéticas, não tenho dúvida de que o componente nuclear na nossa matriz energética vai aumentar", comentou.

Rezende informou que ainda esse mês haverá um seminário sobre a retomada de Angra 3 para os integrantes do Conselho Nacional de Políticas Energéticas, órgão consultor da Presidência da República, antes da nova reunião do grupo, marcada para meados de junho.