Título: Operação Sanguessuga
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2006, Notas e Informações, p. A3

Duas semanas após a descoberta de um esquema de utilização de notas frias para justificar o ressarcimento das despesas de deputados com combustível, outro escândalo atinge a Câmara, agora envolvendo políticos, assessores legislativos, funcionários do Ministério da Saúde, prefeitos e fornecedores, que montaram uma vasta rede para superfaturar a aquisição de ambulâncias e de unidades móveis de terapia intensiva com recursos transferidos da União para os municípios, por meio de emendas que os parlamentares encaminhavam à Comissão Mista do Orçamento.

Descoberta pela "Operação Sanguessuga" da Polícia Federal (PF), que num único dia prendeu 46 pessoas em seis Estados e no Distrito Federal, a fraude já teria movimentado R$ 110 milhões. Só em Mato Grosso foram abertos mais de 70 inquéritos. Os responsáveis pela megaoperação reconhecem que o número de suspeitos de participar desse esquema é muito maior. Mas, por serem parlamentares e terem direito a foro privilegiado, a PF pediu ao Ministério Público que os investigue e ofereça a denúncia criminal contra eles.

Ao todo, participariam do esquema 80 parlamentares e ex-parlamentares, mais três integrantes da Mesa Diretora da Câmara. Embora a direção da PF afirme que ainda não sabe se todos os parlamentares suspeitos apresentaram emendas por iniciativa própria ou se foram induzidos por assessores, o fato é que as irregularidades constatadas revelam como é fácil para políticos inescrupulosos converter o mandato em alvará para a apropriação indébita de recursos públicos.

Vários dos deputados suspeitos são "pastores" vinculados à Igreja Universal do Reino de Deus, do "bispo" Edir Macedo. Seu sobrinho, filho de sua irmã Edna Macedo (PTB-SP), está entre as 46 pessoas presas pela "Operação Sanguessuga". Outro preso é o ex-deputado Carlos Rodrigues, conhecido como "bispo" Rodrigues, por ter sido o "pastor" da Universal que renunciou ao mandato para não ser cassado, por constar da lista de mensaleiros beneficiários do publicitário Marcos Valério. Todos serão denunciados pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República pela prática de crimes contra a ordem tributária, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, fraude e tráfico de influência.

Segundo a Polícia Federal, o esquema começou a funcionar em 2001. Ele envolve a oferta de um pacote completo para a compra de ambulâncias às mais de 5 mil prefeituras do País e às centenas de organizações não-governamentais que recebem auxílio governamental, por parte de uma empresa sediada em Mato Grosso. A aquisição era realizada por meio de licitações manipuladas, no modelo de "carta-convite" encaminhado a firmas fantasmas, constituídas apenas para dar aparência de legalidade à fraude. O "kit" incluía a garantia de que deputados e senadores apresentariam emendas ao Orçamento, para assegurar as verbas federais.

Uma vez garantido o repasse do dinheiro, os prefeitos e as ONGs apresentavam projetos de aquisição de veículos ao Ministério da Saúde, que tramitavam com enorme rapidez e eram automaticamente aprovados pelos dirigentes do primeiro e segundo escalão do órgão, em troca de generosas "comissões". Indicado por pressão da bancada federal do PMDB e do PRB, um dos responsáveis pela liberação das verbas exerce cargo de confiança no gabinete do ministro. Nos últimos quatro anos, mais de mil ambulâncias e unidades móveis de terapia intensiva teriam sido adquiridas a preços superfaturados, graças ao conluio entre servidores do Executivo, parlamentares, técnicos legislativos e fornecedores.

As ramificações dessa quadrilha nas instituições públicas deixam claro que para combater com eficácia a corrupção não basta julgar e punir seus integrantes. Mais que isso, é preciso realizar profundas reformas institucionais, extinguindo cargos de confiança na administração direta, acabando com a indicação de apadrinhados de parlamentares para a assessoria técnica do Legislativo e reforçando os mecanismos de controle dos diferentes órgãos governamentais. Sem essas reformas, o caminho permanecerá aberto para que políticos inescrupulosos possam montar esquemas muito mais sofisticados do que o superfaturamento de ambulâncias.