Título: Antecipar-se à crise elétrica
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2006, Notas e Informações, p. A3

O Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou que estuda o envio ao Congresso de um projeto de lei prevendo a reserva de áreas para a construção de usinas hidrelétricas e linhas de transmissão de energia. Embora o governo não o admita, essa decisão baseia-se na convicção - dominante no âmbito privado - de que até o final desta década a demanda de eletricidade pelos consumidores industriais e individuais excederá a oferta, a menos que sejam abolidas algumas exigências da legislação ambiental.

Ao Brasil não falta potencial para a geração de eletricidade. Contando com as maiores reservas de água do mundo, o País teria capacidade de gerar 263.285 MW de energia hidrelétrica - mas, até meados do ano passado, apenas 29% estavam sendo utilizados, outros 33% estavam identificados e 38% eram estimados, segundo estudos da Camargo Corrêa e da Fiesp. Ou seja, a capacidade instalada, hoje pouco superior a 80 mil MW de energia hidráulica, poderá ser triplicada se forem removidos os entraves à construção de usinas.

Não será fácil conseguir essa remoção. O grosso do potencial inexplorado está na Região Amazônica, onde o potencial identificado é de 34,8 mil MW, o estimado é de 70,4 mil MW, mas o operado ou em construção é de apenas 743 MW.

Segundo relatório da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), seria preciso mobilizar todo o potencial de geração de energia hidrelétrica para atender a uma demanda três vezes superior à atual, prevista para 2030. Mas, hoje, apenas 70 mil MW têm viabilidade - o restante está em locais com restrições ambientais ou sociais", diz a EPE.

O governo tem procurado demonstrar que, no longo prazo, a única saída para o País será explorar as fontes hídricas situadas na Amazônia. E, para isso, está estudando mecanismos para reduzir os questionamentos ambientais aos projetos hidrelétricos, o que também se aplica às áreas por onde deverão passar as linhas de transmissão de energia. "Estamos propondo um texto de lei para que se criem áreas de preservação dos parques de geração e de passagem para as linhas de transmissão", afirmou o ministro Silas Rondeau.

No tocante às licenças, a situação atual é dramática. Dezenas de projetos hidrelétricos estão paralisados por falta de licença ambiental, o que tem causado grandes prejuízos aos investidores. Esse é um dos motivos do desinteresse da iniciativa privada em investir em novos projetos de geração de energia.

Trinta e três usinas hidrelétricas, de um total de 41 que estão em construção, enfrentam problemas com os órgãos de meio ambiente, como divulgou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em meados de março. Isto compromete a geração de 5,6 mil MW e acentua os riscos de que haja escassez de energia em futuro próximo, agora agravados pela crise entre o Brasil e a Bolívia acerca do fornecimento de gás natural. Pelo menos temporariamente, os planos de expansão de fornecimento do gás boliviano estão adiados - e será preciso encontrar novas formas de geração de energia.

O fato é que a demanda de eletricidade não pára de crescer. Projeções do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) dão conta de que o excesso de oferta de energia em relação à demanda é transitório. Neste ano, o excedente é estimado em 6,8%, porcentual que deverá declinar para 4,7%, em 2007, para 2,1%, em 2008, até ficar negativo em 1%, em 2009. Abaixo de uma reserva de 5% corre-se o risco de haver apagões freqüentes.

Em contrapartida à diminuição dos excedentes - e, portanto, à margem de folga com que deve operar um sistema elétrico, sempre sujeito às intempéries -, o aumento da oferta de energia garantida para 2007 é de apenas 398 MW e, para 2008, de 187 MW - números irrisórios que não acompanham o aumento da demanda.

Sem a remoção dos entraves ambientais e o estímulo ao investimento privado, não haverá energia farta e barata para sustentar o crescimento econômico do País.