Título: A demagogia na educação
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/06/2006, Notas e Informações, p. A3

"Se cada presidente que passou por este país, desde a proclamação da República, tivesse feito sua parte, certamente estaríamos hoje num país infinitamente mais avançado do que estamos", disse o presidente Lula em mais um de seus arroubos retóricos, ao anunciar o envio do projeto de reforma universitária ao Congresso. Após enfatizar que em seu governo o ensino "é uma prática, não uma bandeira", ele afirmou ser o presidente "que fez mais que todos" pela educação. "Essas coisas têm de ser ditas", concluiu com a imodéstia que o caracteriza. No mesmo dia, a imprensa noticiou que o projeto de criação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb)está parado no Senado, sem data para ser votado.

Esses dois fatos mostram o enorme descompasso entre o discurso e a ação de Lula. Preocupado apenas em se reeleger, ele vem "inaugurando" projetos que lhe permitem ganhar as manchetes dos jornais, mas que continuam sendo nada mais que projetos. É o caso de sua proposta de reforma universitária, que foi reescrita quatro vezes, em menos de dois anos, e acabou sendo encaminhada ao Legislativo sem o pedido de urgência que a caracterizaria como uma prioridade do governo. Entre outras inovações, o projeto cria conselhos comunitários, politizando a gestão das instituições de ensino superior, interfere na oferta de vagas nos cursos de pós-graduação e fixa em 9% do orçamento de custeio das universidades federais os gastos com assistência estudantil, bolsas para estudantes carentes, moradia e alimentação.

Como essa iniciativa não conta com apoio da equipe econômica, tem oposição declarada das instituições particulares de ensino superior e não obteve apoio integral nem mesmo entre os dirigentes das universidades federais, que já anunciaram a disposição de propor emendas, seu destino quase certo é o escaninho de uma comissão técnica. "O projeto de lei não busca consenso. O debate vai amadurecer no Congresso", afirma o ministro da Educação, Fernando Haddad, antevendo seu provável engavetamento.

Enquanto perde tempo com medidas de indisfarçável caráter eleiçoeiro, Lula relega para segundo plano projetos de vital importância para o futuro do País. É o caso do Fundeb. Concebido para substituir o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), criado em 1996 pelo governo anterior, o novo fundo amplia de R$ 400 milhões para R$ 4 bilhões os investimentos no setor e contempla creches, educação infantil e os ensinos médio e fundamental. Mas, apesar de sua importância, para a universalização e a melhoria da qualidade do ensino, o presidente não mobilizou sua bancada no Congresso para aprová-lo rapidamente.

Como a pauta do Senado está travada por várias medidas provisórias, o projeto do Fundeb não será votado tão cedo. E, como tem de passar por mais uma votação no Senado e outra na Câmara, dificilmente será aprovado neste ano, pois a partir de julho os parlamentares estarão fazendo campanha eleitoral em seus Estados. O problema é que, como o Fundef expira este ano, se o Fundeb não for aprovado até dezembro a rede pública do ensino fundamental e médio poderá entrar em colapso em 2007. Além de não receber as verbas a mais previstas pelo Fundeb, as prefeituras poderão deixar de receber o dinheiro que hoje é redistribuído entre Estados e municípios por meio do Fundef. O mais grave é que, para assegurar a manutenção deste fundo em caráter temporário até a aprovação do Fundeb, o governo já teria de ter encaminhado um pedido ao Legislativo, o que não foi feito.

Na mesma solenidade em que anunciou ser o presidente "que fez mais que todos pela educação", Lula criticou de modo contundente a atuação do governo anterior, quando teria havido "um descompromisso com o futuro", em matéria de ensino. Trata-se de uma inverdade, entre tantas outras propagadas por Lula, pois um dos méritos da gestão de seu antecessor foi ter sabido definir prioridades na Educação. Essa virtude faltou ao atual governo. Sempre com propósitos eleiçoeiros, ele dispersou esforços, deu preferência a iniciativas demagógicas e corre o risco de terminar o ano sem fonte legal de financiamento para o ensino básico.