Título: O desmonte do Mercosul
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Ministros do Mercosul devem reunir-se em Buenos Aires, hoje, no meio da mais grave crise da história do bloco. Devem discutir o encontro presidencial marcado para 20 e 21 de julho, o processo de incorporação da Venezuela e planos para a miniconferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) prevista para o fim do mês em Genebra. Se formularem uma estratégia comum para essa miniconferência, terão ganho o dia.

O encontro de Genebra será uma das últimas oportunidades, se não a última, de se concluir a negociação global de comércio, a Rodada Doha, até o primeiro semestre do próximo ano. Para romper o impasse, todos os principais negociadores deverão aprontar-se para apresentar melhores propostas de acesso a mercados tanto para produtos agrícolas quanto para bens industriais.

Embora participem separadamente da Rodada Doha, os países do Mercosul terão de entrar em acordo sobre as concessões comerciais. Sendo membros da uma união aduaneira, deverão levar em conta, em suas ofertas, a Tarifa Externa Comum (TEC).

Terão de conciliar, portanto, interesses divergentes quanto à abertura de seus mercados para parceiros de fora do bloco. Isso poderá limitar o alcance de suas ofertas e reduzir sua capacidade de negociar.

Há diferenças importantes, nesse caso, não só entre as maiores e as menores economias do Mercosul. Também os países mais industrializados do bloco, Brasil e Argentina, têm dificuldades para um acordo quanto às concessões comerciais aos países de fora.

As mesmas divergências têm comprometido a eficiência do bloco há alguns anos. As negociações com a União Européia foram paralisadas. O comércio intra-Mercosul tem sido prejudicado pelas alegadas assimetrias entre as indústrias brasileira e argentina. Os sócios menos industrializados, Paraguai e Uruguai, queixam-se de abandono e ameaçam buscar acordos de livre comércio com os Estados Unidos, tentando contornar por sua conta o impasse da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

No caso do Uruguai, a limitação das oportunidades comerciais não é o único motivo de queixa. O governo brasileiro recusou, até agora, o papel de mediador entre uruguaios e argentinos no conflito em torno das fábricas de celulose à margem do Rio Uruguai. A disputa foi transferida para a Corte Internacional de Haia.

Nessas condições, os uruguaios não podem ter grande interesse em permanecer na união aduaneira ou mesmo em contribuir para a preservação do Mercosul. O bloco não atende a nenhuma de suas necessidades mais importantes. Os paraguaios não têm motivo para maior otimismo quanto ao futuro da associação com seus maiores vizinhos.

Mas as perspectivas do bloco tendem a piorar, com a inclusão da Venezuela como sócio pleno. A articulação de interesses no interior do bloco ficará mais difícil, com a presença do presidente venezuelano Hugo Chávez. Os poderes de voto e de veto são iguais para todos os sócios. Assim, qualquer negociação com outros blocos ou com países de fora dependerá dos interesses políticos de um associado com pretensões de liderança política e, por isso, desagregador. Hugo Chávez tem-se mostrado incapaz de respeitar limites diplomáticos e de agir de forma conciliadora. Ao contrário: é um fator de desagregação regional.

Incluir a Venezuela de Chávez no Mercosul corresponderá a enterrar, ninguém sabe por quanto tempo, as possibilidades de uma integração comercial do Hemisfério. Os ganhos econômicos para o bloco serão nulos. Qualquer ampliação dos laços com a Venezuela seria alcançável por meio de um acordo de livre comércio - e sem o mesmo custo diplomático.

Se houvesse, hoje, um pouco mais de sensatez e objetividade em sua diplomacia econômica, Brasília desistiria da farsa da união aduaneira e proporia o retorno do Mercosul à condição de zona de livre comércio. Cada país ficaria livre para negociar acordos comerciais com quaisquer parceiros. Os conflitos entre vizinhos seriam tratados com maior realismo, sem o esforço para preservar uma união fictícia. Nada aponta, no entanto, para o fim da farsa. Salvo uma grande surpresa, continuará a desagregação do bloco, acelerada pela inclusão de um sócio inoportuno.