Título: As testemunhas entram em campo
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Metrópole, p. C1,3

Amigos de infância, policiais e parentes contarão o que sabem - mas relato de Andreas é o mais esperado

A batalha para condenar, absolver ou definir a pena de Suzane von Richthofen e dos irmãos Cravinhos começa com uma característica incomum: promotores e advogados já mostraram a tática que devem usar no julgamento. Com um elenco de jurados que já entra no tribunal conhecendo os principais argumentos que estão em jogo, os depoimentos das testemunhas ganham força decisiva.

A promotoria mostra suas armas ancorada em perguntas feitas a testemunhas escolhidas a dedo para atestar a violência do crime. Serão ouvidos: um dos dois peritos criminais arrolados inicialmente, André Ribeiro Morroni e Jane Marisa Belucci; o policial militar Alexandre Paulino Boto; a delegada que presidiu o inquérito e colheu a confissão, Cintia Tucunduva Gomes; o tio de Suzane, Miguel Abdalla Neto - e o irmão, Andreas von Richthofen.

Apenas um dos peritos será escolhido porque a lei só permite que cinco testemunhas sejam ouvidas. Um deles, provavelmente Jane Marisa, perita criminal do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), deve relatar os detalhes da barbárie do crime, o sofrimento infringido ao casal, os ferimentos que mostram que eles acordaram e tentaram se proteger, a cobertura colocada sobre suas cabeças - o que indica que os matadores não queriam ser reconhecidos ou mesmo ver o rosto das vítimas.

Chamado por um telefonema de Daniel para atender a ocorrência na noite do crime, o PM Alexandre Paulino Boto vai contar como desconfiou da calma demonstrada por Suzane assim que chegou à casa do Campo Belo. A delegada responsável pelo caso também deve desfiar os detalhes da violência do crime e dos comentários feitos pela acusada até o momento da confissão.

Mas os depoimentos mais esperados são os dos parentes de Suzane, principalmente o de Andreas. Não apenas por ser a primeira vez que ele vai falar do caso em público, mas por sua condição de único herdeiro de uma história que fica exatamente no limite entre o crime bárbaro e o drama familiar.

Hoje com 18 anos, estudante universitário, Andreas é com freqüência assediado por grupos extremistas religiosos , que telefonam para sua casa e enviam fitas e livros , e jornalistas, que fingem ser estudantes para abordá-lo na faculdade onde estuda. Recusou todas as tentativas de aproximação. E só concordou em falar no julgamento quando soube que a irmã entrou na Justiça acusando-o de torrar a herança deixada pelos pais e tentando reaver os direitos sobre os bens.

"Foi difícil convencê-lo a expor essa experiência que foi barbarizante para ele. Mas agora ele está pronto para depor", diz o promotor do caso, Roberto Tardelli. "Não tenho dúvidas: o irmão vai meter o pau nela, claro. Mas vou perguntar a ele se é verdade que ninguém na família se conformava com o namoro da moça com Daniel", diz um dos advogados de Suzane, Mauro Otávio Nacif.

Andreas tinha 15 anos na época do crime. Estava em uma lan house no momento em que a irmã abria a porta de casa para os assassinos de seus pais. Dias depois, quando ela confessou ter tramado o assassinato, reagiu dando manifestações de apoio. Chegou a divulgar uma carta dizendo que a perdoava. Mas se afastou de vez da irmã quando foi visitá-la na prisão e foi instruído a procurar uma arma escondida nas costas de um ursinho de pelúcia. Em vez de jogar a pistola fora, como Suzane pediu, Andreas a entregou ao tio Miguel, nomeado seu tutor legal. E parou de ir vê-la.

Irmão de Marísia e, depois do crime, nomeado tutor legal de Andreas, o ginecologista Miguel Abdalla Neto também evita falar sobre o crime em público. E, na vida privada, é o parente de Suzane mais indignado com sua participação no assassinato. Sempre se recusou a vê-la ou ter algum tipo de contato com ela. Ainda assim, não se livrou do fantasma da sobrinha. Chegou a ser acordado no meio da noite pelo médico de uma penitenciária onde ela ficou durante alguns meses - e que queria defender a tese de que, na verdade, ela sofre de epilepsia. Abdalla sai do sério com esse tipo de abordagem. "As pessoas esquecem que ela matou? Ela matou minha irmã e o pai dela daquele jeito!", disse a um amigo.

TIROTEIO

Os advogados de Suzane e dos irmãos Cravinhos apresentaram listas de testemunhas que claramente têm a missão de atestar antecedentes de bom comportamento. No rol de Daniel, está a sua mãe, Nadja Cravinhos de Paula; Fábio de Oliveira, diretor-geral da penitenciária onde ele esteve preso; Helio Salvador Artesi, oficial de Justiça da 24ª Vara Criminal, dois amigos, Elisete Elias Aidar e Alexandre do Carmo Carpechielli. Fabiana Godoy, repórter do Fantástico que fez a entrevista que, com a notícia do recurso para obter a herança, levou Suzane de volta à cadeia, também foi arrolada na petição inicial. Como a lista excede os cinco nomes permitidos por lei, os promotores vão tentar impugnar alguns.

De uma lista inicial de 11 nomes, que incluía professores da Pontifícia Universidade Católica (PUC), onde ela cursava Direito, vizinhos e amigos de infância, os advogados de Suzane chegaram a um rol final que pretende mostrar parte da biografia de uma menina que sempre esteve entre os melhores alunos das escolas por onde passou, o Colégio Criativa e o Humboldt. Mas que mudou e se afastou dos pais depois de ter contato com Daniel, a quem conheceu por meio de Andreas, durante exibições de aeromodelismo no Parque do Ibirapuera.

Diante do júri, serão ouvidos um amigo de infância de Suzane e ex-vizinho da família von Richthofen, Christian Bresch; uma colega de Faculdade, Fernanda Kitahara, uma amiga da família, Claudia Sorge, uma guarda da Penitenciária de Rio Claro, Marisol Ortega e uma ex-empregada da família, Maria Mesquita.

Na prática, todas as testemunhas de defesa devem servir de pano fundo para que Suzane e os irmãos Cravinhos troquem acusações. Daniel e Christian insistirão na tese de que cometeram um crime idealizado por ela - e do qual foram convencidos a participar depois de ouvir relatos de maus-tratos, abusos psicológicos e até sexuais.

E a defesa da moça que confessou ter ajudado a matar os pais "por amor" vai contar a história de uma jovem criada dentro do conservadorismo de uma família de ascendências alemã e libanesa, que perdeu a virgindade e foi iniciada nas drogas por Daniel. E, na definição do advogado Nacif, " vivia emaconhada, anestesiada, escravizada, até o ponto de ter a psique dominada pelo namorado abjeto".