Título: Júri escolhe entre duas Suzanes
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Metrópole, p. C1,3

Peleja será entre a assassina ambiciosa e a virgem dominada, descritas nas teses da acusação e da defesa

O julgamento de Suzane von Richthofen começa amanhã, às 13 horas, no Fórum da Barra Funda. Ao longo de pelo menos dois dias, promotores e advogados de defesa vão se engalfinhar em uma guerra pela explicação mais convincente para a dúvida que há quatro anos intriga o País: o que levou a menina loira bem-nascida a abrir a porta de casa para que o namorado, Daniel Cravinhos, e o irmão dele, Christian, entrassem e matassem seus pais com golpes de barras de ferro? A acusação arrolou como testemunhas policiais e parentes de Suzane - entre eles o irmão, Andreas - para provar que o engenheiro Manfred von Richthofen e a mulher, Marísia, foram golpeados enquanto dormiam porque tinham em casa uma filha capaz de planejar o crime para pôr as mãos na herança da família. E a defesa convocou amigos de faculdade, vizinhos da família e uma ex-empregada para entrar em campo, descrevendo a trajetória de uma moça de conduta irretocável e temperamento doce, mas de cabeça virada por influência do rapaz que a iniciou na vida sexual e no uso de drogas.

O destino de Suzane e dos irmãos Cravinhos será decidido por 7 jurados, sorteados de uma lista de 21. Acusação e defesa podem recusar, cada uma, até três pessoas. E a briga já começa nessa fase. "Vou recusar homens e escolher mulheres. Só elas entendem como Suzane foi dominada pelo poder sexual de quem tirou a sua virgindade", afirma o advogado de defesa Mauro Otávio Nacif. "Não adianta tentar artifícios. O debate vai ser sobre a fixação da pena", rebate o promotor Roberto Tardelli.

A acusação vai falar primeiro. Durante pelo menos quatro horas, o promotor Tardelli deve alinhavar a tese que expõe desde que pegou o caso, mas que acabou de formatar em um retiro que começou na sexta-feira e iria varar o fim de semana, em seguidas consultas aos 12 volumes do processo e em telefonemas com Alberto Zacharias Toron, advogado do tio de Suzane e assistente de acusação.

"Vou dizer ao júri que essa moça planejou friamente a morte dos pais. É uma assassina pelo motivo mais torpe: dinheiro", afirma Tardelli. "Não era uma virgem, uma abduzida, que participou sem ter noção do que fazia. Ela concebeu e planejou o crime. E, nas horas que o antecederam quantas vezes ela pôde dizer 'não'?"

A promotoria quer cravar a tese de homicídio triplamente qualificado e mostrar que Suzane teve "domínio do fato" - ou seja: sabia exatamente o que fazia - por meio da reconstituição meticulosa do planejamento do assassinato. Diante do júri, Tardelli vai lembrar como ela, semanas antes do crime, fez uma "cena teatral" e tirou o anel de compromisso do dedo na frente dos pais, afirmando que tinha terminado o namoro. "Com isso, afastou a vigilância dos pais, que se opunham à relação deles, e pôde planejar tudo com tranqüilidade".

O promotor também pretende dizer que Suzane chamou a mãe para almoçar no dia em que abriria a porta para os assassinos, como uma "despedida macabra". E vai detalhar como ela, na mesma noite, deixou o irmão em uma lan house, foi de carro buscar os assassinos, chegou de volta dirigindo e acenando para o vigia, entrou primeiro na casa para checar se os pais dormiam, abriu a porta para os Cravinhos - que tiveram o cuidado de vestir meias-calças para evitar que pêlos caíssem no quarto e favorecessem algum tipo de exame de DNA. E, depois do assassinato, foi para um motel forjar um álibi.

A defesa entra em campo também com tese já tornada pública - e com a catimba típica das grandes brigas. "Revelei nossa estratégia antes para aterrorizar os promotores. Eles estão morrendo de medo. Eu posso perder esse caso, eles não. É o julgamento mais importante em décadas. Se ela é absolvida, a carreira deles acaba", diz o advogado Nacif. Os defensores vão alegar inexigibilidade de conduta diversa (não poderia agir de outra forma) e coação moral irresistível. "Se ela não tivesse conhecido o Daniel, seus pais estariam vivos hoje?" é a pergunta-chave lançada ao júri. As testemunhas vão relatar como a família von Richthofen tinha vida harmônica - até a chegada de Daniel.

E, diante de uma platéia formada por 300 pessoas sorteadas, o júri vai dar a palavra final na peleja entre a assassina ambiciosa e a virgem drogada.