Título: Gás segura contas da Bolívia desde 2002
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Economia & Negócios, p. B9

Peso dos hidrocarbonetos na receita do país é anterior a Evo, aponta FMI

As receitas de impostos da Bolívia com gás e petróleo cresceram drasticamente antes do presidente Evo Morales chegar ao poder e são a principal base da melhoria fiscal do país nos últimos anos. O movimento do aumento dos royalties já está acontecendo desde 2002, baseado no crescimento da produção de gás. Os números do último relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a Bolívia, de novembro de 2005, mostram como as receitas sobre os hidrocabornetos foram essenciais para equilibrar as contas públicas na Bolívia.

Segundo os dados e projeções do FMI, o déficit público da Bolívia atingiria 8,8% em 2005 e 9,7% em 2006, se não fosse pela receita de impostos do gás. No relatório de novembro, o Fundo deixa claro que a grande queda do déficit público de 2004 para 2005, com um recuo de 5,5% para 3,5%, foi obtida em parte com a nova Lei de Hidrocarbonetos de maio de 2005 (antes de Evo ser eleito). Segundo o documento, "houve um forte aumento das receitas, ligado aos altos preços do gás exportado e à mudança do regime tributário do setor de hidrocarbonetos, incluindo a introdução de um novo imposto".

Os impostos sobre os hidrocarbonetos subiram de 2,3% para 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB), entre 2002 e 2005. No mesmo período, o déficit público caiu de 8,8% para 3,5% (projeção do FMI em novembro). Assim, dos 5,3 pontos porcentuais de melhora fiscal, 3,1 pontos (ou 58%) vieram exclusivamente do aumento da receita tributária sobre o gás e o petróleo (basicamente o primeiro).

Para 2006, a projeção do FMI é que a receita da tributação dos hidrocarbonetos suba para 6,7% do PIB, e o déficit público caia para 3%. Esta estimativa, porém, foi feita antes da eleição de Evo, e levou em conta apenas a nova lei aprovada em maio de 2005, que introduzia o "imposto direto sobre os hidrocarbonetos", e elevava os tributos sobre a produção para 50%. A projeção não incorpora a tributação adicional, a nacionalização e os aumentos de preço determinados pelo governo de Evo.

Mas o relatório do FMI também expressa preocupação de que a nova lei (antes mesmo das medidas mais radicais introduzidas por Evo) possa afugentar os investidores, e prejudicar o crescimento futuro das receitas tributárias com os hidrocarbonetos, que são essenciais para as contas públicas bolivianas. De acordo com o documento, "a missão (do FMI, em visita ao país) notou que o novo regime dos hidrocarbonetos tem o risco de minar o futuro desenvolvimento do setor, especialmente à luz da rigidez tributária e das incertezas legais".

Para o economista Ricardo Hausmann, da Universidade de Harvard, há um movimento cíclico na forma como os países tratam os investidores estrangeiros no setor de recursos naturais. Quando os preços estão baixos, todas as facilidades e garantias são oferecidas, e, quando sobem, há um movimento na direção de nacionalização e aumento de tributos. "Países como Bolívia, Venezuela e Equador estão mais preocupados em apropriar-se dos ativos que já existem do que aumentar o investimentos", diz Hausmann.